dois
Eu acordarei um pouco antes de você, como de costume. Estarei ouvindo a crepitação da chuva no vitrô e na folha de zinco, naquela mesma sinfonia intimista da chuva que chovia sempre que amanhecia e a gente ainda não tinha parado de falar - eu de falar, você de me ouvir. Na mesma cama, você ainda roncará pelos cigarros de quando jovem e eu vou sorrir em lembrar de quando achava que te faria parar. Você vai endossar a bronca ao nosso filho mais velho, mesmo sem concordar, e no mesmo tom constrangido com que diz amar alguém quando realmente ama. Sua aversão a dormir muito perto de mim vai continuar até lá e também depois disso. Eu chorarei em nome de um drama só meu, fingido de tudo, mas gostando muito de acordar ao lado, apesar de distanciada, do tal que não enjoa de mim. Não discutiremos com frequência, porque você não vai querer. Mas eu vou ficar possessa de nunca te descobrir realmente fulo da vida. Você ainda achará que não sou suficientemente bonita para ser a mulher da sua vida, mas saberá que não tinha outro jeito.