A porta Secreta para o infinito - Capítulo Dois - Conhece o Infinito?
Longe, e assim, perto de mim?
Posso sentir você aqui.
-Metade de mim, Rosa de Saron.
Aterrisamos em solo Parisiense por volta das nove da noite. O aeroporto Charles de Gaulle estava relativamente cheio. Segurei minha mala e olhei pela grande janela de vidro, dois minutos depois Jonas apareceu ao meu lado, estacionou sua mala gigante perto dos meus pés e ajeitou o gorro preto que escondia grande parte de seus cabelos castanhos.
— Anjo, que frio isso aqui, hein? — Jonas esfregou as mãos e assoprou, uma leve fumacinha branca saiu de seus lábios.
— Larga de ser fresco! — Zombei enquanto nos distanciávamos do saguão.
O termómetro do aeroporto marcava 6,5 graus, Novembro era bem frio em Paris, mas eu simplesmente amava. Pegamos o primeiro táxi e partimos até o hotel. Quando chegamos à recepção, lembrei-me de que nao havia feito as reservas. A moça de cabelos escuros e sotaque inglês deu-nos a catastrófica resposta a uma pergunta desesperada.
— Temos apenas um quarto.
Jonas olhou para mim e levantou os ombros como que dizendo: E agora? Encarei a recepcionista e tentei persuadi-la a conseguir outro quarto, mas em inglês as coisas não foram como o esperado e tivemos que nos contentar com o único quarto, até por que havia começado a chover e fazia um frio glacial nas ruas de Paris. Ou talvez tenha sido a recepcionista que nos persuadiu, pois entendeu-nos duas xícaras gigantes de chocolate-quente suíço e sorriu, desejando-nos boa estadia.
Um moço novo e bonito, mas sério, carregou nossas malas até o quarto. Dei algum dinheiro a ele enquanto Jonas abria a porta com o cartão magnético. Ficamos lado a lado no corredor observando toda a extensão do quarto. Um lugar bonito, aconchegante, e o pior: totalmente romântico.
— Por que tenho a impressão de que isso não vai dar certo? - Indaguei ainda olhando hipnotizada para a única cama forrada por uma colcha de cetim e babados brancos.
Jonas começou a rir.
— Está com medo de mim? - Perguntou num tom zombeteiro.
— Ahn? - Aquilo me fez acordar e entrar no quarto - Claro que não. Só acho que não será legal termos que dividir uma cama.
Totalmente constrangedor. Jonas tirou o casaco e jogou-o na poltrona de chenille verde-musgo que estava ao lado da porta. Descalçou os coturnos e desabotoou o primeiro botão da camisa rosê.
— O que está fazendo? - Deixei um leve tom de surpresa agarrar minhas cordas vocais.
Ele parou e levantou os olhos até meu rosto. Um leve sorriso esticou seus lábios, levantou as mãos.
— Calma Nina, só esse colarinho que está me incomodando... - Sentou-se desengonçado na poltrona e apoiou a cabeça no encosto admirando o teto - Fica tranquila, não vou fazer nada com você.
— Ótimo. - Rebati e coloquei minha mala na cama.
— A menos que você peça. - Ele riu e foi caminhando até o banheiro.
Enquanto ouvia o barulho do chuveiro ligado, fiquei pensando no motivo de ter trazido Jonas comigo. Aquilo não fazia sentido, até por que nossa relação era de total amizade, algumas farpas e boas noites no barzinho da cidade. Nunca tinha acontecido mais do que isso. Nem um único beijo, nem nada. Bom, pelo menos nada aconteceu enquanto eu estava lúcida.
Terminei de arrumar minhas roupas no armário, atendi ao rapaz que foi levar o chocolate quente e as torradas com mel, e esperei na sacada enquanto Jonas ainda tomava banho. Suspirei observando aquelas milhares de luzes brilhando no chão. Paris era, de fato, a cidade-luz. Era impossível não se apaixonar por aquele lugar. Estávamos hospedados quase às margens do rio Sena, ao longe, bem minúscula, podíamos enxergar a Torre Eiffel, parecendo um pingente dourado.
Meus pensamentos foram cortados com o suspiro pesado de Jonas atrás de mim. Virei um pouco o rosto e deparei-me com ele vestido apenas com uma calça jeans desbotada. Com uma toalha branca secava os cabelos desgrenhados, aproximou-se de mim e olhou para o Rio abaixo de nós.
— Poxa! Lindão isso aí, não é?
Não respondi, apenas fiquei olhando para ele com ar de desaprovação.
— Jonas? - Ele parou de secar os cabelos e me olhou - Não está com frio?
— Caramba Nina, não enche! - Falou entrando no quarto e jogando a toalha na cama.
— E pode tirar essa coisa molhada daí! - Gritei da sacada.
— Vem me fazer tirar - Rebateu vestindo um moletom preto.
— Para de ser infantil. - Meneei a cabeça e peguei minha toalha enrolada no fundo da mala.
— Você que está sendo! Olha aqui, vamos dividir o mesmo quarto por um erro seu - Fiz careta, mas ele continuou mesmo assim - Se você tivesse feito as reservas estaríamos em quartos separados, em camas separadas e eu poderia andar pelado e ninguém me encheria o saco, então faça o favor de colaborar.
— Não sei por que te trouxe, seu babaca! - Rosnei pegando meu roupão e minhas pantufas.
— Boa pergunta! Por que mesmo? - Me desafiou com um olhar mortífero, mas apenas bati a porta do banheiro e liguei o chuveiro.
Quando saí do banheiro, Jonas não estava mais lá. Olhei pelo quarto todo e não o encontrei. Abri a porta, dei uma geral pelo corredor e nem sinal dele. Dei de ombros e entrei. Se ele queria bancar o pirracento o problema era total e exclusivamente dele. Ajeitei os travesseiros enormes na cama e me cobri. Apaguei a luz do abajur e coloquei os fones. Começou a tocar Metade de Mim, da Rosa de Saron.
"Seu coração é o lugar que eu quero estar/ eu quero estar/ ouvir o som que ele faz"
Aos poucos comecei a pegar no sono, ainda relutante de preocupação com Jonas. Mas ele deveria estar bem. Quando percebi, uma luz muito aconchegante tocou minha bochecha fazendo-me acordar. Espreguicei e esfreguei os olhos para desembaçar a visão. Cambaleante, calcei as pantufas e fui em direção ao banheiro, mas bati em algo no meio do caminho e caí.
— Ai! - Jonas bradou com os lábios encostados no meu pescoço.
Levantei assustada.
— Mas o que é isso?
— Eu. - Ele debochou - Dormindo... Que diabos foi isso?
— Dormindo no meio do quarto?- Tentei me recompor.
— Onde mais eu dormiria? No banheiro?
— Na cama, idiota. - Revirei os olhos - Não te proibi de dormir nela.
— Ah, mas veja que progresso! - Ele levantou-se e vestiu uma camiseta que estava jogada no chão .
— Você pode dormir comigo, desde que não me toque.
— Pelo o que vejo foi você que me tocou! - Ele sorriu - E aí? Aproveitou esse corpinho aqui?
— Vou te dar um murro.
Jonas gargalhou, pegou o casaco e abriu a porta.
— Ah, não se atrase, já são quase dez horas e o cemitério tem horário de funcionamento.
Saímos do hotel bem rápido, eu não poderia perder tempo. Já era dia 29, prometi no dia do enterro de Thierry que não passaria aquele dia sem visitá-lo. Pegamos o primeiro táxi, falei o endereço e ele seguiu direto. Jonas ficou surpreso, não sabia que eu entendia e falava Francês muito bem. Aprendi há uns sete anos atrás, com um professor de Bordeaux, o Pierre. Desde então, sempre tenho a possibilidade de treinar o idioma, já que venho a França todos os anos e passo pelo menos três dias por aqui.
— É um sotaque bonito. - Jonas sorriu olhando pelo vidro do táxi.
Apenas sorri de volta e descemos na porta do cemitério.
— Você não vem? - Perguntei quando percebi a parada súbita de Jonas.
— Ahn, não, vai lá. É um momento seu.
Jonas foi compreensivo, depois de muito insistir e ele rebater, decidi ir sozinha. Ele ficou me esperando debaixo de uma árvore, caminhei a mesma estradinha que caminhava por dez anos. O local já estava gravado em minha mente como uma fotografia. Parei em frente ao túmuo. A foto de Thierry em preto e branco estampada em uma pequena moldura ovalada. O marfim luzídio cobria o túmulo, uma dor pungente atacou meu coração quando vi seu sorriso. Aquela imagem estava no meu celular, vez ou outra pegava para ver, Jonas me dizia que era algo mórbido ficar carregando a foto de um morto. Não era um morto. Era meu melhor amigo e o amor da minha vida.
Depois de dez anos, o que eu tanto esperava? Que ele saísse dali e sorrisse dizendo que era uma brincadeira tola? Que renascesse das cinzas e me desse um daqueles beijos só dele, diferente de todos os outros, e que jamais sentirei novamente?
Meus melhores sentimentos foram enterrados junto com aquele sorriso torto.
Estava me debulhando em lágrimas como todas as outras vezes, tudo estava seguindo seu ritmo normal, até que uma voz num sotaque Francês soou ao meu lado.
— Não fique triste, ele está num lugar maravilhoso.
Virei-me assustada. Um rapaz alto, de pele muito branca, os cabelos cor de mel jogados nos olhos de um tom azul escuro, olhava para a mesma fotografia que eu estava olhando a poucos minutos atrás. Uma barba rasteira deixava-o com um ar mais experiente, deveria ter uns 23 anos ou talvez mais. Usava um casaco preto, de corte bonito, e um cachecol vinho.
— Como é que é?
— Está num lugar maravilhoso. - Ele repetiu e pela primeira vez encarou-me - Conhece o infinito?
Não estava entendendo nada do que aquele homem misterioso estava falando.
— Quem é você?
Ele retirou as mãos dos bolsos e me estendeu uma.
— Pardon, não me apresentei, que indiscrição. Sou Blaise. - Sorriu - Blaise Dupont, muito prazer.