A porta Secreta para o infinito - Prólogo

OI, CONTADORA DE ESTRELAS.

Eu acredito em Deus.

Toda pessoa boa e justa deve acreditar. É exatamente assim que as coisas funcionam por aqui. Mamãe também acredita, fervorosamente, não somente em Deus, mas em toda a sua casta santa e angelical. Foi ela quem nos ensinou a acreditar, pois crença é algo que se passa de geração a geração.

Sentada naquele gramado verdinho, olhando as estrelas luzindo naquela vasta negritude sem fim, consigo imaginar que Deus esteja em algum lugar lá em cima. Realmente não é difícil. Vovó leu uma vez, de um livro grande e antigo, que Deus está na natureza, particionado em milhões de fragmentos invisíveis. Ele é o sopro que vem do sul e sacode meus cabelos. É a lua em forma de sorriso que levita no céu. É o pássaro dando rasante no lago, o som que vem do meio do bosque. Ele é tudo o que podemos sentir.

O barulho da festa da Geovana, minha prima, continua soando nas extremidades do parque. Depois de permanecer por lá, sentada num banco de pedra sabão, olhando as pessoas conversando, resolvo sair para andar um pouco. Sempre gostei do cheiro que a liberdade emana. O vento tocando minhas bochechas, corando-as. O som da amplitude do universo. E as estrelas que flutuam como penduricalhos de árvore de natal.

Deito na grama apoiando minha cabeça no antebraço e admiro as constelações que se formam no firmamento.

— 234. 235. 236. 237...

— Oi, contadora de estrelas.

Às vezes, acredito fielmente que Deus faz passeio nas ondas sonoras daquela voz. É como um coro celeste.

— Oi bisbilhoteiro. – Sorrio consentindo que ele sente-se ao meu lado.

Thierry tem sotaque Francês. Ele morou em Paris até os sete anos, veio para o Brasil depois que os pais morreram num naufrágio na costa Francesa. Hoje ele vive com os avôs, em Sete Lagoas, Minas Gerais. Temos a mesma idade, dezesseis anos, fizemos aniversário no mês passado, no dia 23. Pois é, temos muitas coisas em comum, mas essa é realmente impressionante, possuímos uma machinha em formato semicircular nos pulsos, o meu com o côncavo virado para a direita, o dele, para a esquerda.

Não, não somos irmãos gêmeos. Inclusive, fizemos exame de DNA tal era a similaridade dos fatos. Mas comprovadamente, depois de uma sessão de agulhas assustadoras, meus pais só tiveram a mim e a minha irmã mais velha, a Sofia. Thierry é apenas uma boa coincidência do destino.

— Aquela festa está muito chata.

— Eu sei, queria era ir embora. – Confessei soltando o ar das bochechas.

— Eu também – Ele sorriu evidenciando ainda mais seus olhos cor de caramelo – Bem que sua irmã poderia nos levar. Já estou irritado com a quantidade de babados e coisas cor-de-rosa naquele salão. Peça para a Sofia, talvez ela também esteja entediada.

— Duvido muito. Mas vamos, posso pedir a ela e fazer uma carinha muito meiga e fofa. – Disse apertando os olhos e fazendo bico.

Ele riu e se levantou estendendo-me as mãos. Num movimento lento me puxou para cima.

— Realmente essa sua carinha desarma qualquer um, até mesmo a sua irmã. – Ele começou a caminhar – Vamos.

Caminhei junto com ele, até que parei de repente. Ele se deteve e olhou em minha direção.

— O que foi contadora de estrelas? – Suspirei ao ouvir o apelido que ele havia me dado. – Está se sentindo bem?

_Foi só uma dorzinha incômoda bem aqui. – Falei apontando para o coração.

Ele se aproximou.

— Vamos procurar sua irmã. – Disse todo preocupado.

— Ei Thierry. – Falei segurando a manga de seu casaco preto, ele me olhou e eu esperei um tempo para tomar fôlego – Você acredita em Deus?

Ele ficou parado, uniu as sobrancelhas numa expressão pensativa.

— Acredito claro.

— Acredita por que te dizem que deve acreditar, ou acredita mesmO?

— Acredito mesmo – Ele foi taxativo – Por quê?

— Acha que existe um paraíso?

— Sei lá Marina, quer dizer, sim, existe sim.

— Talvez seja só uma invenção muito boa.

— Não duvide disso. – Ele tocou meu queixo e me deu o beijo mais doce que eu pude experimentar – O mundo está cheio de invenções boas. Como essa.

Não pude deixar de sorrir e sentir aquelas minúsculas borboletas dançando em meu estômago. Olhei uma última vez para aqueles olhos quase dourados e caminhamos até o salão a procura de Sofia.

Logo a encontramos e, depois de muita relutar, concordou que já estava tarde e deveríamos ir embora. Rumamos em direção ao carro e nos acomodamos no banco detrás. Sofia nunca deixava que nos sentássemos no banco dianteiro. Questão de segurança – Dizia ela.

A estrada que unia Ribeirão das Neves a Sete Lagos era boa, com poucas curvas, levava cerca de 40 minutos de travessia. Era uma noite tranquila, meu coração palpitava forte por alguma razão incompreensível. Talvez fosse pelo fato de Thierry aconchegar sua mão em cima da minha, seu contato quente e doce me trazia paz.

Lentamente acabamos pegando no sono. Sonhei com um lugar bonito, calmo e azul. De repente, acordei sobressaltada, ofegante. Olhei para o lado, Thierry abriu os olhos e passou o dorso das mãos no rosto, tentando despertar.

Ele se virou e sorriu. Olhou minha expressão assustada e colocou as mãos no meu rosto.

_O que foi contadora de estrelas?

Seus olhos caramelos tão perto de mim.

Foi a última coisa que vi antes que uma luz flamejante nos engolisse, deixando-nos na total escuridão.

Ana Luísa Ricardo_1
Enviado por Ana Luísa Ricardo_1 em 09/07/2013
Reeditado em 09/07/2013
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