Uma História de Amor.
Dionísio chegou a Maranguape, de férias, na véspera da ano, e foi logo rever os amigos. Lembrou-se de que deveria passar na casa de Patrícia, uma ex-namorada, e lá teve a felicidade de conhecer Diva. Ficou encantado! Diva era uma linda adolescente de cabelos encaracolados e compridos cujas mechas lhe caíam pelos ombros, ornados por uma orquídea vermelha.
Rapidamente o rapaz passou a fazer-lhe a corte, contudo, Diva não lhe dava a devida atenção. Chegou ele a mandar flores para ver se derretia a indiferença da moça. Apelou para bilhetinhos de amor e presentes, mas tudo foi em vão. Passadas três semanas, o apaixonado deu-se por perdido.
Porém, na noite de colação de grau do Colégio Anchieta, realizada no Maranguape Clube, Dionísio recebeu um recado de Marcelo, amigo comum dos dois, dizendo que Diva queria ficar com o desiludido pretendente. Naquelas alturas a situação era complicada porque Dionísio estava prestes a se entender com outra menina. O terno e apaixonado coração falou mais alto, embora a princípio tivesse oposto resistência. O orgulho ferido, ainda não inteiramente recobrado do golpe da indiferença quis resistir, mas a paixão falou mais alto: o jovem partiu sem olhar para trás.
Logo ao entrar clube reconheceu Diva, que estava entre um grupo de amigas, conversava e ria. Bastante descontraída, a jovem dava a impressão de estar se divertindo muito. Devagar Dionísio aproximou-se do grupo e tentou puxar conversa. Não teve tempo de articular uma palavra sequer. Diva olhou e desviou a vista, enquanto pegava o primeiro que lhe cruzou o caminho puxou para dançar.
Ali estava Dionísio parado, estático, à frente daquelas meninas que praticamente só conhecia de vista e de chapéu como diria nosso Bentinho, do imortal Machado de Assis. Sem jeito, mas usando de toda a sua civilidade de moço criado no Sul, o desprezado rapaz puxou conversa, apresentou-se às meninas e, após uma prosa recheada por comentários pilhéricos, que só aumentaram as risadinhas daquelas que o viam ali, exposto àquela ridícula situação.
Dionísio, antes de sair do clube para ir embora, da quadra esportiva ainda olhou para o salão de dança e viu diva, exímia dançarina de lambada, dava seu pequeno show nas pistas. Aquela imagem ficou –lhe na menina dos olhos, fizera com que ela brilhasse. Aquilo não vai ficar assim, ela há de me pagar.
Janeiro se findava, estava chegando a hora de voltar para a cidade grande e a desfeita ainda não saíra da cabeça do jovem. Ele pensava, perdia o sono, buscando uma idéia que expusesse Diva a uma vergonha tão ou pior do que aquela que a jovem o expôs. Queria deixá-la mais rente que o chão, totalmente exposta a uma vergonha sem precedentes. Que ela não quisesse nada com ele (embora mostrando uma rudeza que chegava à molecagem), admitia-o sem problemas, entretanto, fazê-lo de palhaço isso, não. Era demais. Não estava ela brincando com outro matuto de sua igualha. Mas só faltavam três dias, ele teria de voltar para seu trabalho e só voltaria talvez no próximo ano, se assim Deus permitisse. Depois de muito pensar, acabou achando uma reposta para a questão. O troco consumia-o até que a solução apareceu de modo inesperado, mas oportuno.
A mãe de Dionísio, dona Fortunata , numa tarde de sexta-feira chamou o filho para acompanhá-la numa ida a Fortaleza. Ela precisava comprar utensílios de cozinha e outras coisas para casa. Foram às lojas do Centro atrás do que era necessário. Depois de muita procura e negociações – a mãe de Dionísio era boa de pechincha – encontrou o que necessitava por preço compensador. O filho acompanhava a mãe, meio desanimado, pois não era muito afeito àquele ritual procurar, barganhar e, portanto, gastar sola de sapato; sem falar que ele era o carregador das compras.
Mas tudo fora comprado e, então, chegara a hora da merenda nas Lojas Americanas. A dona Fortunata era fã incondicional do hambúrguer da lanchonete daquele estabelecimento. O jovem pediu um cheesebacon e terminado o lanche, era hora de voltar a Maranguape. Porém, algo chamou a atenção de Dionísio e caiu como uma luva no que ele pensava em relação ao troco pela desfita que sofrera havia poucos dias. Uma chupeta enorme e de plástico, vermelha e amarela, muito comum no Carnaval nordestino... Taí o que eu procurava ansiosamente! Na verdade era um chupetão e se enquadrava perfeitamente nos planos vingativos de Dionísio. Daria o troco com muito humor, tão tradicional na terra do Ceará Moleque. Comprou o brinquedo, exultante, já pensando na indignação de Diva, que certamente se roeria de indignação com o presente.
Ao chegar a Maranguape, Dionísio procurou Patrícia e contou-lhe o que pretendia fazer. A amiga que lhe apresentara Diva achou muita graça e considerou uma forma de vingança muito espirituosa. Disse que o ajudaria na empreitada, porque, embora gostando muito da amiga, não concordava com o procedimento adotado por ela. Se não queria por que não dizia abertamente, por que brincava de modo tão cruel com os sentimentos do rapaz? Patrícia, que já fora namorada dele, conhecia bem Dionísio e via que ele não era merecedor deste tipo de atitude. Diva estava sendo leviana e com isso Patrícia não concordava, de jeito nenhum. Depois de pensarem bastante, embrulharam o presente e colocaram um cartão com so seguintes dizeres: esta é a prova de tudo o que significa para mim! Certamente o ego de Diva, já bastante acariciado por flores e chocolates, ficaria exultante e curioso por saber o que desta vez o apaixonado pretendente reservar-lhe-ia. Sem dúvida seria algo inimaginável para ela, uma jovem de dezesseis anos.
Todo o cenário estava armado. A entrega seria noite de sábado, seguinte à compra do presente; durante o dia era aproveitar, pois, na terça-feira, Dionísio voltaria para seus afazeres na cidade grande. Os amigos marcaram um churrasco para ele no Balneário Pirapora Palace, com muito forró, cerveja à vontade e banho de piscina. A festa foi animada e correu frouxa durante o dia, preparação para a noite em que ocorreria a tradicional Festa de São Sebastião no Maranguape Clube. Dionísio, que já bebera bastante, estava desde cedo pensando na reação de Diva queria ver toda indiferença da jovem. Se ela se escondia e não falava, agora teria todos os motivos a partir de agora.
Já eram aproximadamente seis horas da noite, quando Dionísio chamou a irmã caçula de Diva e entregou-lhe o presente. A menina, que já testemunhara a entrega das flores e dos chocolates, deu um sorriso disfarçado e levou a prenda para casa. Dionísio, já um pouco alto por conta das cervejas, caminhava meio trôpego; resolvera para na casa de Patrícia, que estava com o namorado, a fim de tomar um café forte e ir para casa, pois horas mais tarde queria estar disposto e preparado para encarar a Festa de São Sebastião. O jovem estava sentado num tamborete de madeira na cozinha da casa de Patrícia, quando ouviu um barulho na porta da residência. O portão se abriu de chofre e Diva adentrou, soltando fogo pelas ventas, como dizem os matutos; o olhar da jovem faiscava de ódio e buscava a custo descarregar sua ira. Ao se deparar com Dionísio a sanha se alimentou e as palavras saíram impensadas; impelidas pela indignação do momento.
- Seu abusado, atrevido, quando lhe dei cabimento? – vociferou Diva, jogando na cabeça de Dionísio um embrulho. Para completar a cena, deu uma rabiçaca e partiu, pisando duro, olhando para o teto. Os braços duros e balançando inquietos como e quisessem sair à frente da dona, se desprender do corpo e sair adiante, não se sabe para onde. Mas que iam, iam.
“Meu Deus, ela é mais criança do que eu imaginava!”. Pensou depois de uma esfuziante gargalhada, acompanhada pelas de Patrícia e do namorado dela. Ao abrir a caixa, Dionísio se deparou com todas as flores, as caixas de chocolate, os bilhetes e sua chupeta retalhados à tesoura e queimados. O jovem viu que atirara no que vira e atingira o que não tinha visto. Esperava tudo menos aquela cena ridícula. Foi demais. Nunca rira tanto.