Aloha - cap. 8

Ás 18:30hrs, Ariel acabou de ajudar o pai fechar a loja.

Rubens e Bruno já estavam indo em direção ao carro. Ariel ficou parado em frente a porta da loja.

- Ei, Ariel, vambora. - gritou Rubens.

- Pai, eu não vou agora pra casa. Marquei de ir estudar na casa do Samuka. - mentira Ariel.

- Sua mãe não vai gostar disso...

- Quebra essa pra mim, pai. Deixa eu ir?

Rubens sabia que Elis ia reclamar, mas cedera.

- Ver se não chega tarde, tá.

- Valeu pai!

Ariel esperou o carro do pai se afastar, para poder ir até a livraria. Estava nervoso, e enquanto ia andando pela rua, ele pensava na loucura que estava fazendo. Sabia muito bem o que Benício queria, e não daria chance para nada acontecer entre eles.

Parou em frente a livraria, ela ainda estava aberta e tinha alguns clientes. Ariel ficou ali parado, olhando lá pra dentro, Benício estava distraído atendendo um cliente. Quando viu Ariel na porta, Benício sorriu e acenou para ele, e fazendo sinal para que entrasse.

Ariel entrou, tava morrendo de vergonha. Ficou olhando alguns livros por um longo tempo, e nem viu que os outros clientes tinham já saído.

- Posso ajuda-lo? - Benício se aproximou. - Estou vendo que gosta de clássicos brasileiros?

- Gosto sim... Principalmente, de Machado. - Ariel respondeu, mostrando um exemplar de Helena que estava em sua mão.

- Tem bom gosto, hein... Gosto disso em um homem.

Ariel ficou tenso.

- Benício, eu sei o que você quer. E por favor, não insiste, não vai rolar nada entre a gente...

- Eu sei. Você já tem um namorado. - Benício falou com pesar. - Ele é bonito.

- Eu namoro a Pilar... - disse Ariel, espantado com a insinuação de Benício.

- Eu estou falando do rapaz, o tal de Dominick. - Benício sorriu. - O Samuka já me contou tudo.

- Eu vou matar aquele traíra. - burfou.

- Oh não, ele não fez por mal. E fica tranquilo, eu não vou contar nada pra ninguém. - Benício sorriu para Ariel, que estava queimando de vergonha. - Bem, tenho que fechar a livraria, me ajuda?

Ariel o ajudou.

Benício fechou as cortinas, a loja ficou toda escura, acendeu alguns abajures, e a livraria foi tomada por luzes coloridas, deixando o local com um ar excêntrico, mas muito bonito. A livraria tinha um estilo daquelas lojas antigas, as cores das luzes se misturavam dando um efeito psicodelico ao ambiente.

- Gostou? - perguntou Benício, vendo os olhos de Ariel brilharem encantados.

- É lindo, Benício.

- É sim, meu pai não gostou. Mas, eu insistir em fazer a decoração... Sabe, esse é meu esconderijo, depois que fecho as portas, eu gosto de ficar aqui, sozinho com meus pensamentos, tomando um chá e ouvindo meu amado Chico Buarque... E falando nisso, vou fazer nosso chá. Que tipo de chá você gosta?

- Qualquer um estâ bom pra mim... - Ariel ainda estava desconfortável em está ali.

- Vou fazer um mate então. - Benício entrou por uma porta, de lá continuou a falar. - Ariel, você poderia colocar o cd do Chico pra tocar?

- Onde está o rádio?

- Perto da caixa registradora.

Ariel foi até o balcão, ligou o rádio. O cd começou a tocar, a voz do Chico Buarque imundou o local. Ariel se sentiu mais tranquilo ouvindo a música.

~Quero ficar no teu corpo feito tatuagem

Que é pra te dar coragem

Prá seguir viagem, quando a noite vem... ~

- Ai, adoro essa música! - Benício veio dançando em direção de Ariel, que não aguentou, riu ao ver o garoto dançando. - Dança comigo.

- Não, não... Odeio dançar.

- Você não sabe o que é bom...

~ Quero brincar no teu corpo feito bailarina

Que logo se alucina

Salta e te ilumina, quando a noite vem... ~

- Dançar faz bem pra alma, é o que minha mãe dizia... - Ele continuava a dançar em frente de Ariel, que apenas sorria sem graça. - Você fica tão bonito nesse tom vermelho vergonha...

~ E nos músculos exaustos do teu braço

Repousar frouxa, murcha, farta, morta de cansaço... ~

Benício se aproximou mais de Ariel, deixando seus corpos quase colados. Seus olhos se encontraram, Benício chegou seus lábios próximo a boca de Ariel.

- Acho melhor você parar...

- Você também quer, Ariel.

- Não... - Benício o calou, colando seus lábios no dos de Ariel. Ariel, não teve tempo de pensar, e como reação de auto-defesa, empurou Benício. - Para! - gritou.

O empurão fora mais forte do que Ariel pretendia Benício caiu sobre uma bancada que estava cheio de livros.

Ariel ficou apavorado, vendo Benício ali caido. Correu para a porta, mas ela estava trancada e a chave estava com o Benício.

- Quero ir embora... - Ele gritou.

- Ei, para de gritar, até parece que te violentei. - disse Benício, enquanto se levantava. - Vamos tomar nosso chá primeiro...

- Não quero essa droga de chá... Abre a porta, Benício. - Ariel ficou irritado.

Benício calmamente se levantou, arrumou os livros caido sobre a bancada, olhou para seu braço, tinha um corte superficial.

- Droga, me cortei. - disse Benício, dando uma risada.

- Me desculpa... - Ariel estava com os olhos cheios d'água.

- Ei, não chora quem se cortou foi eu. E nem tá doendo.

Ariel estava apavorado nunca tinha agredido alguém.

- Essa música é linda, né. - disse Benício, indiferente ao espanto de Ariel. - Meu coração não se cansa de ter esperança, de um dia ser tudo o que quer... - cantarolou ele parte da canção.

~ Meu coração de criança, não é só a lembrança -

- Aff, esqueci do chá! - saiu correndo.

Ariel ficou ali parado junto a porta, as lágrimas insistiam em descer pelo rosto. Droga, por que o Benício tinha que ter roubado aquele beijo? O encontro estava até legal, agora estava tudo estragado...

~ Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim... -

Benício voltou trazendo um bule de chá. Coloco-o sobre a mesinha que ficava num cando da loja, em volta da mesa tinha algumas almofadas no chão.

- Vai ficar ai parado, feito um dois de paus? - Benício estava tranquilo, ou melhor dizendo, estava tentando se mostrar tranquilo. - Ariel, por que tá com essa cara? Quem caiu foi eu, não você. Quem tinha que está chatiado aqui era eu.

~ E fez dos olhos meus um chorar mais sem fim... ~

Ariel continuou calado. Benício se aproximou dele, e esticou a mão em sua direção.

- Vem, deixa de ser tão sensível. Já passou...

- Abre a porta, eu quero ir embora.

- Olha, me desculpa, não era minha intenção te magoar e nem brincar com você. Foi involuntário. - Benício falava sério, e olhando nos olhos de Ariel, completou. - Eu quero te ajudar.

- Não preciso de ajuda!

- Ariel, eu sei o que você está passando. E acredite, eu já sentir as mesmas coisas que você, e algumas eu ainda sinto. - Benício colocou sua mão sobre o ombro de Ariel, e continuou a falar. - Eu sei que você está com medo, inseguro e cheio de dúvidas...

Ariel abaixou a cabeça, as lágrimas começaram a brotar.

- Ariel, olha pra mim. - Benício segurou o queixo do outro, fazendo o erguer a cabeça, com os olhos colados um no outro, ele continuou. - Deixa eu te ajudar?

- Ninguém pode me ajudar. - Ariel se afastou. - Benício, você nunca vai entender o que eu sinto. Ninguém pode entender... Essas coisas que sinto é pecado. Eu tento lutar, mas não consigo.

- Então pare de lutar contra. Aceite que você é assim, Ariel.

- Eu não posso. As pessoas não irão aceitar, como eu vou encarar meus pais, meus familiares, o povo da igreja e do colégio? Eles vão me condenar...

- Que se dane essas pessoas... Ariel, você não pode suforcar seus sentimentos para fazer as outras pessoas felizes... Como você se sente quando está com o Dominick?

- Como me sinto? - Ariel parou pra pensar... - Me sinto completo, livre e feliz... O Nick me faz tão bem, quando estamos juntos tem a sensação de que tudo pode dar certo. Mas, depois vem aquela sensação ruim de culpa, nojo de mim mesmo... As vezes sinto tanto nojo de mim que penso em me matar...

Ariel não conseguiu segurar o choro. Pela primeira vez conseguia falar sobre o que estava sentindo realmente, nem mesmo nas páginas do Eddie ele conseguira expressar aquele sentimento.

- Venha, vamos tomar nosso chá. Vai te ajudar a se acalmar. - Benício pegou Ariel pela mão, e o conduziu até a mesinha. - Vou desligar o som...

- Deixa rolar... - disse Ariel.

Benício serviu o chá, e os dois beberam ao som da música de Chico.

~ Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu,

A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar...

Mas eis que chega a roda viva

E carrega o destino prá lá ... ~

- Essa canção fala muito do nosso momento, né?! - disse Benício.

Ariel apenas acenou com a cabeça afirmando. Benício não falou mais nada.

~ Roda mundo, roda gigante

Roda moinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração... ~

A música acabou. Um silêncio imperou no ambiente. Benício sentado de frente para Ariel, o observava. O garoto segurava a xícara com as duas mãos, e em nenhum momento abrira os olhos. Benício sabia bem o que Ariel estava sentido naquele momento, e isso o doia.

- Como foi com você? - Ariel perguntou, ainda de cabeça baixa e com os olhos fechados.

- Foi o quê?

- Como foi quando você se assumiu? Desde quando você soube que era... Isso?

- Eu sempre soube, mas isso não evitou que eu sofresse com as dúvidas e os medos, Ariel... - Benício falava calmamente. - Quando minha mãe morreu, e eu e meu pai ficamos sozinhos, tendo apenas um ao outro, eu vi que era hora de contar. Não foi fácil no começo, nenhum pai recebe bem a notícia que seu filho é gay. Mas, hoje nos damos muito bem.

- Sorte sua ter um pai que entendeu você... Eu não tenho essa sorte, meus pais nunca aceitaram.

Benício posou as mãos sobre as de Ariel, que assustado, abriu os olhos e o encarou.

- Calma, não vou te agarrar de novo, não. - disse sorrindo, Ariel não disse nada. - Ariel, eu sofri muito antes de entender que eu não tinha escolha. A gente é assim, não tem como mudar o que somos. Você não poderá viver fugindo disso, e um dia seus pais terão que aceitar o que você é.

- Você falando assim, parece simples. Mas quando está vivendo não é nada simples...

- Eu sei, e é por isso que eu quero te ajudar.

- Benício, eu não posso ser assim... Minha família nunca aceitaria um gay, entende? Se eles descobrirem, vão me odiar e me afastariam da vida deles. E eu não quero perder minha família... Não quero ficar sozinho...

Ariel voltou a chorar, dessa vez Benício também chorou. Benício entendia o medo de Ariel, e sabia que ele tinha razão. Já tinha visto vários casos como o dele na Aloha, e na maioria sempre acaba de forma triste.

- Ariel, mesmo que sua família não te aceite, você não ficará só... Olha, você poderá contar com o Dominick, vocês não se amam?

- Sim...

- Tem também o Samuka, ele te adora tanto.

- Verdade...

- E você também pode contar comigo e com a galera do Aloha.

- Aloha? O que é isso?

- Aloha é um centro de apoio a jovens gay... Lá, temos psicólogos e outros profissões que ajudam a jovem como nós a entender melhor o que estão passando... Sabe, Ariel você não é o único garoto que sofre pra entender o que é...

- Então é assim que você quer me ajudar?

- Sim... Melhor, o pessoal do Aloha podem te ajudar. Tenho certeza que você vai gostar de lá.

- Vou pensar no assunto. - Ariel ainda não estava preparado para isso. Ainda não acreditava que tinha falado essas coisas com o Benício, e tremia só de pensar em falar isso com uma outra pessoa. - Por que do nome? Aloha, é meio estranho... - disse ele, tentado amenizar a conversa.

- Foi eu que escolhi! - Benício exclamou com um sorriso. - Que saber o que significado?

- Aloha, não é aquela saudação dos surfistas?

- Aloha, não quer dizer simplesmente um "alô". O significado vai além. Aloha quer dizer: compartilhar com alegria a energia da vida no presente! - adorava explicar o porquê do nome do centro. - E é isso que fazemos lá, Ariel, compartilhamos o que temos de melhor aos outros, lá você encontrará amizade, carinho, conselhos e ajuda. - Benício falava com muita impolgação do projeto, gesticulava de forma extravagante, Ariel achou graça do seu jeito afetado. - Por que está rindo?

- Nada, só achei engraçado o modo que fala, cheio de mãos... Mas, pode continuar a explicar os encantos de Aloha. - Ariel continuou rindo, se sentia bem mais a vontade naquele momento.

- Sabe, você fica bem mais bonito sorrindo... Mas ainda prefiro o 'vermelho vergonha' - Benício riu, deixando Ariel novamente sem graça. - Desculpa, esqueci que você não curti elogios.

- Se os elogios vem sem segundas intenções, eu gosto. - Ariel sorriu.

- Impossível não ter segundas intenções com um garoto bonito.

A conversa estava indo para um caminho que Ariel sabia que não era bom, mas estava tão agradável aquele ambiente, que ele deixou rolar...

- Me serveria mais um pouco de chá? - perguntou com um sorriso no rosto.

- Claro! - Benício pegou o bule e encheu a xícara de Ariel e a sua também. - E minhas segundas intenções?

- O quem?

- Posso continuar, ou terei que me comportar na sua presença?

- Acho melhor se comportar. Sou um homem comprometido, entende?!

- Digamos que você é duplamente comprometido...

- Verdade!

Os dois riram.

- Falando nisso, quando é que você vai chutar a bunda daquela "pitbull de saia"?

- Não é tão fácil assim...

- Por que não?

- Primeiramente, porque ela é filha do pastor da igreja, meus pais fazem questão desse namoro...

- Aff, eles não podem te obrigar a ficar com aquela menina chata.

- Benício, você não conhece minha mãe... E tem outra, a Pilar me dar um álibi. Enquanto tiver com ela, ninguém vai suspeitar que sou gay.

Benício deu uma gargalhada.

- Ariel, namoro de fachada não ajuda, não. É só olhar com cuidado para você, que dar pra ver que tu curte homem.

- Sério? - Ariel voltou a ficar assustado. Sempre achou que era discreto e não dava nenhuma pinta.

- Não precisa ficar assim, eu tô exagerando um pouco. Ninguém deve perceber que você é gay, fica tranquilo.

- O que eu faço que é gay?

- Além de namorar o Dominick? Quase nada... Ah sim, se quer parecer mais machão, controle essa munheca. - Ariel olhou para suas mãos, realmente ele desmunheca um pouco. Tentou deixar os pulsos retos. Benício riu disso. - E, por favor, pare de chorar atoa, isso é muito passiva...

Ariel ia responder a provocação, mas seu celular tocou. Era sua mãe.

- Oi mãe?

- Onde você está? - ela estava nervosa. - Liguei para a casa do Samuka, e a mãe dele disse que você não estava lá. Deu pra menti agora, menino?

- Não mãe. É que eu fui pra casa de outro amigo, porque o Samuka não pode estudar hoje... - mentiu Ariel.

Benício ria ao ver a cara de espanto do Ariel. Com certeza, a mãe dele era uma fera.

- Vem pra casa, agora!

- Tá mãe, já estou indo...

- Você tem trinta minutos pra chegar.

- Sim, senhora.

Ariel desligou o celular. E se levantou correndo, pegou sua mochila.

- Tenho que ir agora.

- Ah que pena, está tão bom nosso papo.

- Sim, foi muito bom conversar contigo.

- Já que você gostou, vai voltar mais vezes, né?

- Pode ser... Da próxima vez trago o Nick, ele vai adorar isso aqui. - disse Ariel, tentando desarmar Benício.

- Boa ideia... Quem sabe, a gente não faz um "ménage à trois"!

Benício nunca perdia a chance de fazer piada. E Ariel tava começando a gostar disso.

- Você poderia abrir a porta, por favor?

- Oh sim... Mas, primeiro quero um beijo.

- Desculpa, sou fiel!

- Isso foi uma piada?

Os dois riram. Benício abriu a porta.

- Obrigado por tudo, Benício.

- Não precisa agradecer, agora somos amigos.

- Meu pai disse que você não é o tipo de gente que eu posso ter como amigo. - Ariel não sabia porque tinha dito aquilo. Sorriu envergonhado.

- Seu pai é um sábio. - debochou Benício.

Os dois cairam na gargalhada.

- Ai, deixa eu ir... Só tenho mais 25 minutos pra chegar em casa. - disse Ariel, ao parar de rir.

- Então, tchau... Tenha uma boa noite, gatinho.

Ariel de impulso roubou um selinho de Benício. Ambos ficaram sem graça.

- Bem, vou indo... Tchau.

Ariel saiu para a rua. Benício ficou da porta, vendo ele descendo a rua.

- Maldição, eu não posso me apaixonar... - Lamentou.

Petrus Agnus
Enviado por Petrus Agnus em 05/07/2013
Código do texto: T4372754
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