Um Passo Em Falso

- Mamãe; a senhora está vendo para onde está indo nossa situação, tudo por causa da conpulsividade gastadeira de Catarina? - disse Adalgisa num ímpeto de raiva incontrolável.

- Acalme-se minha filha! Não vai resolver nada você demonstrar esse estado; só vai fazer mal a sua saúde.

- Estamos sem energia elétrica por falta de pagamento. O nosso aluguel está há cinco meses em atraso e nós corremos o risco de sermos despejados; como a senhora ainda pode me pedir calma! Não consigo aguentar essa sua paciência!

- Está bem, está bem. Depois conversamos melhor sobre isso, vamos mudar de assunto porque é ela quem está batendo no portão. Vai abrir para a sua irmã.

- Trouxe as velas? - perguntou Adalgisa e olhou para as duas sacolas de compras que trazia a outra, cheias de coisas desnecessárias, como sempre.

- Sim, estão comigo - respondeu Catarina e passou para o corredor em direção à casa.

Todo este estado de coisas teve início há muitos anos, quando Catarina conheceu Marcelo, um Italiano de passagem pelo Brasil e que se encantou com sua beleza ao cortejá-la na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro.

- Esta proposta que está me fazendo é irrecusável; sempre foi meu sonho conhecer a Europa. O que você faz por lá e o que farei eu; terei como conseguir um trabalho? Não quero depender de você o tempo todo.

- Não há nenhuma necessidade disso, meu amor. Você já teve uma ideia da minha situação financeira nestes poucos dias em que estamos namorando. Sou um empresário rico e muito conhecido na Itália no ramo do entretenimento, já falei sobre isso a você.

- Sim, mas tem sido vago nas informações. Já que gostou mesmo de mim e me propõe casamento, preciso saber mais sobre você, não acha?

- Desculpe! Você tem toda razão. Vou dizer: possuo uma empresa que contrata bailarinas brasileiras. É um trabalho muito bem remunerado e bastante agradável. Todas que para lá vão, com exceções raras, mudam totalmente de vida, e para melhor. Passam a fazer parte de um círculo social invejável, pois conhecem pessoas especiais e de grande influência. Eu sei o que deve estar pensando. Não tem nada que ver com prostituição, acredite.

- Não mesmo, Marcelo? Olha que quero acreditar em você. Mas sabe como é... e sabe o que comentam por aqui.

- Porém, não no meu caso, querida. E mesmo que isto fosse verdade, porque eu mentiria para você, já que pretendo tê-la como minha esposa e iria ficar sabendo do mesmo jeito? Além do mais, mesmo que seja esse o caso não precisará trabalhar porque terá tudo de que precisa para viver com todo conforto e muito mais; sou um homem rico, já sou realizado e dinheiro para mim não representa nenhum problema.

- Então é isso mesmo o que faz, não é?

- Sim, não vou mentir para você. Mas não tem nada que ver conosco; acredite! É apenas o meu trabalho. Sua vida será outra, totalmente diferente. Será minha esposa, apenas isso. Então, o que diz?

- Tenho medo, Marcelo.

- Passe comigo alguns dias na Itália e então verá. Conhecerá minha vida pessoal e perderá todo esse medo. Eu prometo; se se sentir insegura e não quiser não irei forçá-la.

E assim fizeram. Catarina viu que ele realmente dizia a verdade e, ao ver de perto sua vida profissional e sua dedicação, mais ainda se apaixonou. Um mês depois estavam casados e ela passou a ser uma cidadã italiana de alta classe e muito feliz.

- Gostaria de conhecer melhor o seu trabalho. Posso ir com você um dia desses?

- Por que está me pedindo isto. Tem certeza de que não está sendo mordida pelo ciúme?

- Bem... um pouquinho, é claro. Como poderia negar? Você vive rodeado de tantas mulheres e, como já fiquei sabendo, muito bonitas. Muitas me colocam no chinelo, tenho certeza.

- Está bem, vou permitir. Mas só será mesmo por um dia e nada mais.

Porém, mal esperava Marcelo que Catarina se apaixonasse tanto pelo que viu a ponto de querer, como nunca, fazer parte daquele glamour de vida noturna. Por trás estava o desejo de vigiá-lo em cada passo; e foi aí que começaram os problemas que resultaram numa decisão crucial por parte do desespero e desilusão de Catarina.

- O que foi dessa vez? - gritou numa noite Marcelo, bastante irritado. Está me enchendo o saco com essas cobranças! Já falei que ela é apenas uma funcionária – completou referindo-se a uma cena de ciúme de Catarina.

- Uma funcionária que anda de beijos com o patrão por trás das cortinas do palco, e beijos na boca. Está pensando que eu não vi o que estavam fazendo?

- Quer dizer que agora tenho um vigia que me persegue.

- Não, mas apenas sua esposa; se é que você ainda se lembra disso.

- Não estou mais suportando esse seu comportamento, se quer saber. De amanhã em diante não virá mais; cuidará só de nossa casa a partir de agora.

- Nem pense nisso! Vou continuar. Aprendi a gostar disso aqui; amo dançar; virou minha paixão pessoal. Se tentar me impedir não será bom para nenhum de nós. Amo o que faço e não preciso fazer programas para sobreviver como muitas aqui fazem; você sabe muito bem disso. Quero ir para casa; estou cansada e não me sinto bem.

- Há dois que não dorme nem come direito. Estou preocupado com você, o que tem?

- Quer mesmo saber?

- Bem... acho que ainda somos casados apesar de tudo.

- Fui ao médico ontem.

- Sim, e então?

- Não desconfia de nada? - Marcelo parece que desconfiava da gravidez de Catarina, mas não demonstrou muita satisfação e nem sorriu.

- Estou grávida. Estou esperando um filho seu. Como se sente?

- Estou contente. É claro que estou contente; vou ser pai, não vou?

Daquele dia em diante o sentimento de Catarina em relação a Marcelo transformou-se completamente e ela se sentiu a mais infeliz das mulheres. Um mês depois estava de volta ao Brasil recusando, por todos os meios, qualquer tipo de contato com o marido que abandonara na Europa; sequer atendia os seus telefonemas.

- Estou achando você bastante abatida, minha filha. Está se sentindo bem?

- Sim, mamãe. Logo, logo estarei melhor. Não se preocupe.

- Como assim estará melhor: você esteve doente?

- Não, mamãe... quer dizer... sim. Tive um probleminha – e não conseguiu conter as lágrimas.

- O que você tem, meu amor? – e esbarrou, sem querer, com o cotovelo, na barriga de Catarina.

- Ai! Tenha cuidado.

- Por quê? O que você tem; está machucada?

- Eu abortei, mamãe! Abortei o filho de Marcelo – e caiu novamente no choro, agora compulsivamente. A mãe não suportou a notícia. Abraçou a filha e chorou junto com ela.

Anos se passaram e, um belo dia, foram visitadas pela proprietária do imóvel onde moravam.

- A senhora já é uma pessoa de idade e doente. Não pode viver numa casa sem luz e ao ponto de ser despejada. Como pode passar a procuração de recebimento de seus salários para a sua filha que há muito não anda bem da cabeça? Veja o que ela faz com todo o seu dinheiro. Só a vejo com sacolas de compras e mais compras e vocês quase passando fome e toda essa necessidade; isto não é normal – disse a proprietária.

– Arranje imediatamente outro procurador para as suas coisas e pague tudo o que estão me devendo ou aciono a justiça e providencio o despejo.

E a mãe teve que fazer o que lhe fora exigido, o que deixou Catarina ainda mais deprimida e indiferente como sempre o fora.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 17/06/2013
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