Sim, ela ligava.
Antes das 22h acabava a aula. Os três saíam juntos em direção às suas respectivas casas. Eram amigos. Eram vizinhos. Eram amigos vizinhos. Ao chegar ao condomínio pintado de rosa desbotado, ela se despedia dos outros. A amiga e ele continuavam o percurso. A casa dele era mais próxima, mas, como todo bom cavalheiro, ele se deslocava até a casa da amiga para deixá-la na porta. Ele chegava em casa, acalmava os cachorros que latiam desesperadamente, - e da mesma forma que latiam há onze anos atrás, quando filhotes ainda eram - falava com sua família, entrava para o quarto e mandava mensagem para ela. Ela chegava em casa, tirava a roupa e jogava para os ares, - como aquela cidade era quente- ligava a televisão, comia alguma coisa e respondia a mensagem dele sorrindo. Ele só iria comer algo e já estava a caminho. Ela recolhia a louça do lanche, lavava rapidamente com a disposição de um urso que está prestes a hibernar. Corria para tomar um banho demorado, passava hidratante, escova os dentes e vestia um pijama de seu agrado. Ele, lentamente, trocava de roupa, escolhia o que comer, ouvia músicas, escovava os dentes e ia para a casa dela. Não sei se demorava, mas depois do banho ela tinha tempo para pensar na vida, estudar, ver mais televisão, pensar -apenas pensar- na bagunça de seu quarto, se olhar no espelho e por aí vai. Menino devagar, pensava ela. Ele chegava no seu condomínio e o porteiro abria o portão lhe lançando um olhar de uma cumplicidade amigável. Ela o esperava sentada na cama, com a janela aberta para o corredor, sentido o vento quase negativo. Ele passou pelo corredor, deu uma leve batidinha na janela - que não a assustou, ela já esperava há tempos - e sorriu. Ela sorriu para si e foi abrir a porta. Ele entrou e ela fechou a porta novamente. Foram para o quarto. Ela fechou a janela e ligou o ar condicionado, se não ele ia embora. Porque foi assim que ele conseguiu chegar ao seu quarto: a sala era quente demais e ele não aguentava de tanto calor. Hum, homens. Sempre dando as piores desculpas e - querendo se admitir ou não - mulheres fingindo que caem sem querer, quando, na verdade, caem querendo. Sim, ela ligava para ele.