Perda de Oportunidade

Era um apartamento deveras modesto o de Fernando. Três cômodos, geralmente escuros e mal arrumados, o apartamento parecia até mal-assombrado quando vazio. Porém, o apartamento era assim apenas quando ele estava sozinho, pois a alegria daquele local residia principalmente na personalidade alegre de sua amada Marcela.

Marcela realmente trazia alegria para aquele lugar. Sempre sorridente, vivia tentando arrumar a bagunça feita por Fernando. Cozinhava, cantava, fazia tudo que ele não fazia e, com isso, levava vida e movimento para aquele lugar que aparentava ser frio e vazio sem ela.

Os dois eram noivos há alguns anos. Conheceram-se num hospital.

Marcela sempre teve uma saúde frágil e fazia tratamento de uma doença grave em uma clínica na zona sul da cidade. Um dia, Fernando visitou o mesmo lugar para conversar com um amigo que havia sofrido um acidente de moto, lá se conheceram e, como se fosse até uma história de novela, um sentimento nasceu entre os dois, o que se tornou um possível amor eterno.

Era incomum ver Marcela irritando-se com algum comportamento que julgava incorreto pela parte de Fernando durante esse tempo de relacionamento, na verdade era algo quase inexistente. Mas Fernando começou a agir de uma forma diferente, ele parecia distante e desinteressado naquele relacionamento. Marcela discutia com ele por causa de sua ausência, mas no fundo estava desesperada querendo uma solução. Numa dessas discussões, Fernando quase levantou a mão contra ela, o que fez ela tomar a decisão de dar um tempo no noivado e pensar sozinha.

Um dia, enquanto estava sozinha na casa de seus pais, Marcela resolveu visitar Fernando e tentar resolver. Não achou ninguém, só o apartamento vazio. Ela resolveu arrumar o apartamento e visitá-lo no trabalho, daria tempo, ela chegou a casa dele de manhã cedo. Arrumou tudo, pendurou as roupas que estavam na máquina de lavar no varal e foi embora para o prédio onde Fernando trabalhava.

Enquanto isso Fernando estava no trabalho pensando nela e em uma forma de pedir desculpas. Encomendou flores que chegariam ao trabalho mais tarde. Assim ele iria direto do trabalho para a casa dela e conversaria com ela. Sabia que estava errado, apenas não queria inicialmente admitir e principalmente, ele não aceitava que a ignorava por um motivo que aparentemente era tão bobo e que poderia até ser compartilhado, evitando essa situação inteira de desconforto e tristeza.

Marcela foi de carro, então seria uma viagem rápida. No rádio tocava uma música que descrevia exatamente a situação dela, e como ela queria que Fernando reagisse durante a conversa. Mas, na verdade, não se importava muito com a reação dele durante a discussão, apenas queria ele de volta e continuar a dedicar para ele o amor que ela julgava ser eterno.

Mas o pior aconteceu. Assim que Marcela chegou ao prédio do trabalho de Fernando, foi abordada por um ladrão armado com uma pistola que tentou roubar seu carro. Marcela fez algum movimento julgado como estranho pelo ladrão, que estava drogado, e por reflexo ele atirou fatalmente em Marcela e saiu correndo por medo, deixando o carro que tentara roubar anteriormente para trás. Ela estava morta, morreu sem receber o pedido de desculpas do homem que amava, sem nem vê-lo uma última vez.

Fernando estava em horário de almoço e durante o acontecimento estava comendo em um bar próximo. Um amigo seu que havia chegado para almoçar pouco depois dele disse que tinha visto uma movimentação estranha perto do prédio de trabalho, porém ele não se importou muito e continuou comendo. Fernando só resolveu voltar ao local de trabalho quando ouviu o barulho de tiro. Pagou a conta do almoço e foi com até certa calma, ou talvez cautela para que não ocorresse nada, até o prédio.

Quando ele chegou e viu o carro dela sentiu um aperto no coração. Saiu correndo e tirou as pessoas que estavam na calçada em torno de alguma pessoa. Quando conseguiu ver quem era, foi como um choque. Marcela estava estirada no chão com uma bala em seu peito e sangrando. Estava atônito, irritado, morto por dentro pois além de não poder mais vê-la, não teria mais como pedir desculpas e sentia que eternamente ficaria com a impressão de que ela estava magoada com ele.

Saiu escondido daquele local. Sentia uma corrente de emoções que o atormentava. Caminhou do local de trabalho até sua casa numa longa jornada de duas horas pensando no porquê de ter feito tudo o que tinha feito com ela. Um motivo deveras fútil: recebera uma promoção no trabalho, o que aparentemente seria um motivo de alegria, porém a cobrança e o estresse no trabalho tornou aquela alegria em estresse e ele descontava todo esse estresse na última pessoa que merecia, logo na pessoa que lhe deu o maior dos suportes.

Seu coração apertou ainda mais quando chegou em casa e viu a casa inteira arrumada. Desarrumou aquele lugar todo e deixou-o exatamente como estava sua mente e coração naquele momento, e em todos os outros que estavam sem ela: uma desordem total e sem vida, como se a morte comandasse naquele local.

A morte, aliás, foi no que ele pensou. O elemento que separara os dois seria a alternativa que ele pensara para vê-la novamente. Após tanto chorar e destruir o apartamento, Fernando procurou desesperadamente uma alternativa para se matar. Não havia meios de se enforcar e nem algum veneno naquele lugar, e seu apartamento era num andar relativamente baixo. Então se lembrou de um local que poderia solucionar o seu anseio.

Um prédio deveras conhecido e numa localização até boa. Era fácil de ser acessado, ainda mais porque já frequentara aquele lugar. Subiu todos os andares daquele lugar que na sua mente era cinza e sem vida, mas que traria a solução para seu anseio. Durante cada andar que subira, pensou em todo esse tempo de discussões e problemas com Marcela. Lembrou-se de uma vez que quase bateu nela, vez essa que a fez sair do apartamento dele.

E finalmente tinha chegado no andar mais alto do prédio, havia algumas pessoas e uma espécie de segurança, mas eles estavam todos ocupados em seus afazeres que não notaram a presença tristonha de Fernando. Ele foi a um local bem afastado do andar e viu uma rampa. A rampa tinha uma mureta que poderia ser pulada com facilidade, e a queda daria direto no chão. Seria fatal.

Tomou coragem e pulou. Durante a queda, sua mente processava todos os momentos bons que passavam juntos como se fosse um rápido filme. E além de todos os momentos bons lembrou-se das sensações. A queda parecia eterna para ele. E perto do chão ele se lembrou de algo que ela disse durante uma das brigas, algo que martelou por dias na cabeça dele:

“Às vezes... eu acho que você não sabe viver sem mim e apenas briga porque não quer admitir.”

Era verdade.

dos Santos Silva
Enviado por dos Santos Silva em 15/06/2013
Reeditado em 26/06/2013
Código do texto: T4343477
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