Um conto por Mabel - Parte III

Ele estava aflito, eu pude perceber pelo toque de suas mãos, então eu sorri para que através do meu sorriso seu coração fosse novamente tomado pela coragem, ele me sorriu de volta e tomou-me pela cintura fazendo com que eu saltasse as grades serradas. Seguimos mais adiante até onde um coche estava parado, então ele trocou algumas palavras rápidas com o cocheiro enquanto me ajudava a embarcar. Foi quando silhuetas se desenharam na saída do túnel por onde acabávamos de sair, homens e suas lanternas gritando ordens uns aos outros, mas nós avançamos e saímos em disparada sem olhar para trás, para o mundo cinzento de onde eu era mais uma vez resgatada por ele.

O dia estava frio e eu estava na biblioteca do convento lendo alguma história sobre um mártir qualquer, meus dedos agitados pela espera folheavam as páginas amarelas daquele manuscrito aleatoriamente enquanto os meus olhos contemplavam o portão de ferro que se erguia além da alameda que dava acesso ao convento.

Quase não dormira aquela noite e meu íntimo teimava em dizer numa voz gelada que Estevam não apareceria. Contudo, contrariando o meu pessimismo sua silhueta surgiu desenhando-se diante do portão e apesar da distância, meu coração não teve dúvidas ao sobressaltar-se de que aquele era mesmo o meu amado... sim, eu já o amava.

Ele foi recebido por uma das irmãs que lhe conduziu até a entrada do convento. Saltei novamente aquela janela e me pus a segui-los cautelosamente. Ele trouxera mais donativos e o entregava à irmã dizendo tratar-se de uma encomenda de sua mãe. Percebi que enquanto eles conversavam, seus olhos não paravam de me procurar, vasculhando o hall por trás daquela que lhe falava. Ele torcia o chapéu nas mãos tentando penosamente alongar a conversa já vazia que mantinha com a irmã. Levei as mãos aos lábios para abafar um riso provocado por aquela cena, mas estaquei repentinamente ao perceber que ele já se dirigia à saída, cumprimentado com uma reverência cortes à irmã que o recebera. “Eu tenho que chamar sua atenção de alguma forma!”

Sorrateiramente, contornei o jardim e o esperei entre as árvores, próximo ao portão, para poder chamá-lo:

- Estevam, eis-me aqui!

- Mabel! Pensei que não conseguiria vê-la. Ele disse, se aproximando do meu esconderijo enquanto olhava em volta para certificar-se de não era visto.

Olhei em seus olhos e naquele momento fiquei desconcertada e uma súbita timidez me tomou ao notar que aquelas eram as primeiras palavras que trocávamos a sós. Ele então me sorriu e como se me lesse tal qual um livro, pousou as suas mãos em meus ombros puxando-me para um forte abraço. Já não me lembrava como era ser abraçada e me surpreendi com a segurança que aquele ato transmitia, sendo capaz de afastar qualquer temor e tantos anos de solidão. Retribuí o abraço e me deixei ficar ali por longo tempo, enquanto ele dizia entre os meus cabelos que jamais esquecera a primeira vez que nos encontramos:

- Nunca tive certeza se naquele dia eu conhecera uma garota ou uma divindade, você parecera tão bela e tão triste ao mesmo tempo que não me contive e aproximei-me para cumprimentar-lhe com o melhor dos meus sorrisos tentando alegrar-te. Acho que te amei desde aquele momento, pois durante esses dois anos minha vida foi tentar acompanhar os seus passos para que um dia voltássemos a nos ver e eu pudesse finalmente concluir o que comecei.

Então ele me soltou e inclinando-se à minha frente, estendeu-me a mão:

- Quer dançar comigo?

Eu lhe sorri e aceitei sua mão. Nós dançamos ali mesmo, ao som dos nossos corações e o canto de alguns pássaros. Trocamos alguns passos desajeitados sob o esconderijo das árvores e eu não me lembrava de ter sido em qualquer dia tão feliz quanto naquele momento.

Nós conversamos longamente aquele dia, ele me ensinou muitas coisas, falou-me sobre sua paixão por cavalos e cães de corrida, sobre a criação de motores a vapor para os dirigíveis e o quanto ele gostaria de voar um dia, foi então que ele me propôs uma fuga, dizendo-me que se eu almejasse a liberdade ele poderia me oferecer a liberdade de seu amor... então ali, debaixo daqueles carvalhos, trocamos o nosso primeiro beijo...um doce e cálido beijo oferecido aos meus lábios como o toque do orvalho sobre a grama... eu estava entorpecida e plena de amor, mas o sol já se punha e ele teria que se despedir e com outro abraço ele prometeu voltar.

Fiquei observando enquanto ele se dirigiu às grades da cerca mais próxima para saltá-la, levando com ele o meu coração.

Alanis de Louvain
Enviado por Alanis de Louvain em 12/06/2013
Reeditado em 13/04/2016
Código do texto: T4338891
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