Esquecer para encontrar...
- É incrível como aquilo que sempre buscamos na vida aparece no exato momento em que nos decidimos parar de procurar, não acha?
Meu amigo sempre começava com estas palavras a descrever o grande amor de sua vida, de forma que paciente fiquei esperando ele continuar seu desabafo.
- Todo mundo quer ser amado, não é?
- Suponho que sim! - disse, incentivando-o a continuar.
- No começo imaginamos como seria isto de todas as formas! Criamos fantasias doidas... que nunca se concretizam, por serem fantasias! Tentamos, quebramos a cara... enfim, desistimos... Achamos que não passam de histórias tolas para confundir os imbecis...
- Entendo o que quer dizer.
- Enfim endurecemos nossos corações. Tentamos colocar no lugar dele uma pedra. Paramos de procurar! E é neste momento que vem a surpresa...
Já ouvira aquela história um milhão de vezes! E ele sempre a contava intensa! Sem coragem de interromper, ouviria mais um milhão e uma vezes...
- E aparece de novo, meu amigo! Exatamente na hora em que nos decidimos a parar de procurar! Nos desafiando...
- Faz um tempo que aconteceu, não é?
- Tanto faz. Acredito que aconteceria de novo. Foi como uma reação química, incontrolável! Coloque hidrogênio e oxigênio junto a uma fonte de calor, e quero ver se é capaz de impedir a reação...
- Você sabe que não foi só isso...
- Óbvio que não! Somos racionais, decidimos nossos atos... Mas, ainda assim, também acho completo absurdo tentar negar nossa parte animal. Somos um conjunto! O racional e o animal são partes de nós, não podemos desprezar uma parte para valorizar a outra!
- E o animal comandou este momento?
- Não... o racional falou mais alto. Já te contei isto, não lembra! Nada aconteceu desta vez...
- Nada?
- Depende do ponto de vista! Eu continuei revivendo aquilo por um bom tempo! Mas, enfim, o tempo foi passando...
Meu amigo era um romântico incurável. Algo nada bom para alguém que vivia no século XXI! Completamente contrário ao incompreensível movimento pós-heap do século passado, o amor live levado ao extremo e com total apoio dos avanços científicos. Ele parecia continuar vivendo numa era que já deixara de existir a éon incontáveis...
- Parei de procurar! E, de novo, as coisas surgem exatamente quando paramos de procurar...
- Vai começar de novo? Acabou de me contar sua história!
- Isso foi depois! Igual, mas depois.
- Me diga então!
Ele pensou. Tentou reviver os fatos.
- Foi totalmente ao acaso! Havia perdido o ônibus para casa, e tentava ganhar tempo esperando encontrar outro lugar temporário até o dia seguinte. Não tivesse o trânsito atrapalhado tanto, e o encontro nunca teria acontecido...
- Isso você ainda não me contou!
- E não é que, do nada, ela me aparece de novo? Não reconheci de imediato, mais pela surpresa do que por não reconhecer de fato, o que era meio impossível... Mas rápido me interei da situação.
- Que aconteceu depois?
- Confesso que estava bem confuso! Não esperava por aqulo, já havia tentado abafar tudo num passado remoto, mas... novamente tudo ressurgia na minha frente! E, longe de me incomodar, eu estava é extasiado! Confuso, mas tentando me preparar para o que viria, fosse o que fosse...
- Que aconteceu então?
- A reação química de novo, mas agora em máximo grau, incontrolável!
- Vocês pararam para beber, colocar a conversa em dia. Isto não explica tal reação química? Não foi um catalizador?
- Ah, explicação idiota, de quem não sabe o que está falando. Lógico que isto não explica o que aconteceu depois!
- Foi só uma ideia... - disse, consciente da minha besteira.
- Pode explicar alguns pontos, a desinibição... Sim, pode ter de certa forma "facilitado"... Mas acredito que a reação química era intensa, aconteceria de qualquer forma.
- Vocês...
- Por um bom tempo fiquei inclusive encucado. Achei que o "catalizador" havia atrapalhado um pouco. Lembro vagamente de até perguntar se poderia tentar de novo, pois achei que na primeira tentativa não havia feito da melhor forma que poderia...
- Então, vocês...
- Ah, você já entendeu, ou preciso "desenhar" ?
Isto bastou para eu interromper minhas perguntas irritantes.
- Depois disso você não se viram mais, né?
- É incrível como as coisas surgem quando paramos de procurar por elas...
Comecei a questionar a sanidade mental de meu amigo. De novo aquela velha frase? Ele estava disposto a me repetir a história? Qual das duas?
- Nem uma nem outra, meu caro! Esta é mais recente!
- Como assim?
- Este mundo novo de amores virtuais! Nos acostumamos a ele, e ficamos sem ação quando ele nos apresenta, traiçoeiro, antigos amores do passado...
- Você a encontrou de novo? Na rede?
- Como sempre, no exato momento em que me decidi parar de procurar...
- E??? Que aconteceu?
- Cada um levou sua vida. Por incrível que pareça, por um bom tempo ela estava vivendo praticamente aqui do meu lado sem que eu fizesse a mínima ideia disto! Mas é inútil tentar imaginar como seria diferente o que já aconteceu. O que já foi, já foi.
- E agora? Que pretende fazer?
- Nada.
- Nada??
- Não pretendo continuar procurando. Vou, de novo, parar de procurar...
Às vezes a lógica do meu amigo era mesmo incompreensível! Como se diz, "dei corda" para tentar descobrir onde ele queria chegar. E ele repetiu, confiante.
- As coisas sempre se apresentam para nós no momento em que paramos de procurar por elas...
* FIM *