Capítulo XCVIII

                   
( continuação do capítulo anterior )
 
Silveira alugou uma ca
sa na Praia do Flamengo, era um palacete de um português que administrava o porto do Rio de Janeiro e que havia retornado para Lisboa.
Não era uma casa com muitos cômodos, mas era um imóvel à feição do que ele precisava, no salão, os móveis originais lembravam uma mansão inglesa, onde imperava a sobriedade, mas era apto para receber visitas de pessoas exigentes. Nos três quartos, a mesma sobriedade do estilo europeu, a cozinha, de grandes proporções, deixava à mostra, pendurados na parede, os utensílios de cobre, brilhantes, bem areados.
Na parte de trás, um terreno todo arborizado com fruteiras entremeadas com árvores ornamentais, dava um toque de bom gosto. Na frente do imóvel, um bem cuidado jardim, em frente ao mar. Silveira fez um contrato de aluguel por dois anos, com opção de compra com preço pré fixado.
Ele escolheu esse imóvel por uma razão estratégica, haviam inaugurado um colégio, que dava fundos para o terreno da casa, onde ele pretendia matricular seus filhos. Na rua lateral, um grande portão dava acesso à garagem para a carruagem, e no final do terreno havia instalações de cocheiras para os animais. Ele contratou os serviços da cozinheira, do mordomo e do condutor da carruagem, empregados do antigo proprietário e queria modificar o seu estilo de vida, para que o passado não o afetasse.
 
Nos dois meses que se seguiram, Silveira esteve envolvido em intensas atividades políticas, em encontros e reuniões maçônicas, que consumiam seus dias e partes das noites. Parecia não querer dar espaço nem tempo para ficar pensando no passado recente.  
Ele havia sido indicado pela plenária mineira como convencional e representante dos fazendeiros de Minas  junto ao legislativo, no Rio de Janeiro, onde se discutia a abolição.
Agora Silveira se declarava realmente um abolicionista.
Numa noite, ele disse para Maria Rosa:
- Contrata o melhor serviço de buffet  da cidade, o mordomo deve saber qual é, para recebermos setenta pessoas aqui em casa, no domingo. Quero que você vista a melhor roupa que lhe dei, porque vamos receber a nata da sociedade carioca.
Entre os convidados estavam Ubiratan, dona Alzira e Moacir.
Durante o jantar, à francesa, Silveira circulou entre os convidados, de mãos dadas à Maria Rosa.
Aquela, para ele, seria a comprovação prática da quebra do preconceito, um tabu que impedia relacionamentos sociais entre brancos e negros, entre senhores e escravos.
Silveira queria provocar um escândalo capaz de gerar um debate em jornais, e para isso pediu a cobertura da Tribuna, do seu amigo Joaquim Nabuco.
Ele fazia questão de demonstrar que seu relacionamento com Maria Rosa, não era somente de senhor e escrava, ele deu seu braço para ela e circulou no salão, apresentando-a aos legisladores, juízes, ministros e embaixadores. Queria demonstrar na prática, que estava sendo coerente com o que pregava. E conseguiu provocar o escândalo. Os jornais estamparam sua fotografia ao lado de Maria Rosa, e no dia seguinte, deu uma entrevista:
- Senhor Silveira, na cidade só se fala sobre a festa no seu palacete, em que os convidados ficaram escandalizados pelo seu comportamento tão pouco tradicional... O que o senhor tem a nos dizer?
- Convidei para minha casa, pessoas que sabiam da minha condição de abolicionista. Eu seria incoerente se não desse uma demonstração de estar comprometido com a causa... Eu tenho amigos negros e escravos, assim como tenho amigos brancos e senhores.
Eu não faço distinção entre eles, são seres humanos... Não adianta só falarmos, devemos também praticarmos o que pregamos.

Em pouco tempo Silveira se tornou o centro da maior polêmica, onde ele passava sempre havia alguém para se manifestar, uns contra, outros a favor.
O seu trejeito de cofiar o bigode se tornou um mote da campanha abolicionista, quando alguém queria se referir ao abolicionismo, repetia o gesto, levava a mão ao bigode e enrolava sua ponta... Nos jornais apareceram caricaturas de Silveira, ora cofiando o bigode, ora com uma mulata ao seu lado...
Quando passava na rua, os manifestantes, uns contra, outros a favor, o interpelavam:
- Vai dormir na senzala, Silveira!
- Silveira, você  soube escolher a mais bonita da senzala, é um homem de bom gosto!
- O senhor está certo, meus parabéns!   
Para uns e para outros, Silveira acenava e abria o sorriso ou cofiava o bigode ...
Passados alguns anos,  Silveira se fixou na Fazenda da Solidão e raramente vinha ao Rio de Janeiro, vendeu a importadora para seus ex escravos e seus filhos voltaram para casa, eram como ele, homens do campo.
Maria Rosa viveu ao seu lado, e como os pombos da cumeeira da fazenda, viveram juntos e nunca permitiram que a tentação  os afastassem  um do  outro.
Se essa estória é verdadeira ou não, não se sabe, mas quem for a Pirapetinga, poderá ver com seus próprios olhos a Fazenda da Solidão.

                                                                                     ( final)   

elzio
Enviado por elzio em 31/05/2013
Reeditado em 04/06/2013
Código do texto: T4318071
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