Tentação ( parte XCV )
( continuação do capítulo anterior )
Moacir saiu à pé andando pela Rua Mata Cavalos e foi até ao lugar em que na última vez tinha visto Gioconda. Ficou sentado por mais de uma hora tomando cerveja e comendo linguiça frita com torradas e tremoços. Quando já estava prestes de desistir de encontrá-la, eis que ela chega acompanhada de uma outra mulher com aparência de cigana. Quando ela viu Moacir, desvencilhou-se da companhia da mulher e sentou-se ao lado dele.
- Veio procurar companhia, Moacir?
- Vim procurá-la, Gioconda.
- Saudades de mim?
- Quem sabe? Estive lá na sua terra, encontrei Bianca e ela está pedindo que você volte. Está com saudades...
- Eu também estou com saudades dela e do tempo em que vivíamos juntas.
- Desistiu de querer morar no Flamengo?
- Olha, moraria com você novamente naquele pardieiro, lá eu nunca passei fome...
- A situação está apertada, nega?
- Já pensei até em voltar para os penicos, pensei em procurar você para me levar de volta, mas sabe, fiquei com vergonha de lhe pedir.
- Peça alguma coisa para comer, está com fome?
- Posso pedir um bife com fritas?
- Pode, lógico...
Os dois conversaram durante duas horas, no final Gioconda foi buscar suas coisas, trouxe uma maleta de papelão, aquela mesma com que ela havia saído de casa, e foram dormir na Importadora.
Dois dias depois embarcaram na charrete e foram para a Volta do Pião.
Ubiratan mandou por Moacir um recado para o senhor Silveira, queria saber se poderia tirar umas férias de três meses, dona Alzira queria ir à Europa ver a família e ele pensava em acompanhá-la e aproveitar para pesquisar novos produtos, e fornecedores na França. Propunha deixar Moacir na frente do negócio e com o Moacir já coordenava as vendas, que agora contava com dez vendedores, e conhecia bem a área comercial, ficaria fácil para ele coordenar todo o processo.
Silveira voltou para casa, ele não poderia se ausentar por longo período, precisava estar com as crianças e verificar a rotina da fazenda, ele tinha perdido uma peça importante na sua engrenagem. Iria procurar mais umas três pessoas para trabalhar e deixaria Ubirajara como encarregado.
A saída de Marcos e Mário para a guerra desarticulou todo o seu planejamento, mas Machadão supria todas as faltas, ele ajudava a buscar os animais no pasto, retirar leite, capinar, plantar e colher, junto com Jurandir, ele fazia de tudo um pouco, e com muita competência. Como ele participou do nascimento da Solidão, ele era comprometido com o seu funcionamento pleno, afinal, tudo o que existia ali tinha um pouco do seu trabalho e esforço.
Mas Silveira sentia mesmo a falta de Machadão era na hora das refeições, quando ele contava estórias e ria de se dobrar enquanto as relatava.
Falava sobre sua época de escravo, de feitor e dos problemas que enfrentou com os negros fujões. Da época em que trabalhava na Pedreira de São Diogo, quebrando enormes blocos de pedra e do seu namoro clandestino com uma mulher casada que ia procurá-lo num casebre ao pé da pedreira. Ah, se aquelas pedras falassem! O pior, que o corno era um português violento e com fama de matador, mas que felizmente nunca soube da estória.
Quando Silveira se recordava desses fatos, seus olhos marejavam, ele havia perdido um amigo.
Maria Rosa o encontrou com os olhos cheios d'água e lhe disse:
- Chegou a hora dele, patrãozinho!
Silveira, ainda com os grandes olhos azuis marejados, lhe respondeu:
- É, Maria Rosa, está tudo muito difícil para mim, perdi um amigo e estou com medo de perder a minha mulher... Estou achando que até mesmo você está desistindo de mim, está difícil...
- Não, patrãozinho, não confunde as coisas, para mim também está muito difícil, estou fazendo um sacrifício enorme em nome do amor... Eu amo tanto o senhor como à dona Ana Luiza, também estou entre a cruz e a espada. Mas aprendi a ter paciência, tudo há de passar, o senhor vai ver...
Aquela foi uma longa noite, tanto para Silveira quanto para Maria Rosa, de madrugada ele se levantou, ainda não dormira, e foi na cozinha pegar um copo de leite. Ela também estava lá comendo goiabada com queijo, ela partiu um pedaço para ele e ficaram algum tempo assim calados. O silêncio falava mais alto, abraçaram-se, ele lhe deu um beijo na testa e foram para seus quartos.
( continua no próximo capítulo )