JOSÉ & MARIA

Maria sempre foi o grande amor de José. Desde muito criança, sempre que queria vê-la, ele subia a rua onde morava, dobrava a primeira esquina e ficava diante daquela casa azul, vendo-a brincar no quintal. Seus olhos se perdiam na pele alva do anjo que estava ali na sua frente, nos longos cabelos dourados que flutuavam ao vento, nos lindos olhos azuis que nunca o viam. Mas ela só fingia que não notava o menino do outro lado da rua. Saía para brincar no quintal pois sabia que logo ele iria aparecer, e ficaria ali, companhia silenciosa, a manhã inteira, o dia inteiro, sem tempo nem pressa de ir embora.

De crianças passaram a adolescentes, e entrecruzavam olhares profundos quando “davam a sorte” de se encontrarem na rua indo em sentido contrário. Apesar de se verem há tanto tempo, jamais haviam trocado palavra alguma, até que um dia, no mercadinho do bairro, estavam “por acaso” escolhendo um produto na mesma prateleira, quando Maria deixou cair um pacote, e José prontamente agachou-se, pegou do chão e o entregou nas mãos dela, que agradeceu com o sorriso mais gracioso e iluminado que ele já vira, e do qual jamais se esqueceria. Mesmo com um grosso nó bloqueando sua garganta, o coração quase saltando pela boca, naquele dia ele falou alguma coisa a ela, e ela disse outra coisa a ele, e depois ele falou de novo, e conversaram tanto que nem se aperceberam das tantas horas que ficaram ali fazendo compras.

Daquele dia em diante não deixaram mais de se encontrar, e entre eles nasceu o amor mais puro, o sentimento mais nobre, a mais profunda paixão que poderia nascer entre duas pessoas. E tudo que José pensava, pensava antes em Maria. E com ela também era assim. O tempo, os compromissos, as novas amizades, a implicância dos pais, nada afetava aquela relação, que a cada dia se tornava mais forte e mais sincera.

José fazia planos, queria ganhar dinheiro para comprar uma casa e viver com Maria ao seu lado, dia e noite, noite e dia. Foi assim que conseguiu seu primeiro emprego, como aprendiz de marceneiro na marcenaria do seu Zacarias. Passou a trabalhar muito, queria aprender tudo logo e ganhar o suficiente para sustentar a família que teria com sua amada Maria. Deixou a escola e os amigos, deixou a meninice pra trás, e se dedicou a ser o melhor marceneiro que a cidade já conhecera. Mas o trabalho era árduo, muitas vezes já era alta hora da noite quando ele, voltando do trabalho, ao passar em frente da casa da namorada corroído de saudades, via as luzes todas apagadas. Mas Maria entendia, afinal era para sua felicidade que ele tanto se entregava àquele ofício.

Eram moços e cheios de vitalidade, mas fizeram votos de que não se entregariam antes do casamento. Seria a coroação divina do amor sublime que os unia. E José sonhava todo dia com aquele que seria o dia mais feliz de sua vida.

Naquele sábado combinaram de comer uma pizza na lanchonete do Valmir. Mas Maria estava indisposta, nem quis sair do quarto. Foi a mãe que, com olhos visivelmente tristes, pediu para que José fosse embora. Naquela noite nem conseguiu dormir de preocupação. No domingo logo pela manhã voltou lá, mas a mãe não deixou que ele a visse. Continuava passando mal. “Então precisa ir pro pronto-socorro”, ele disse, e a senhora retrucou que sim, que o marido e ela a levariam logo em seguida, que não se preocupasse tanto assim, nada de grave haveria de ser.

Segunda-feira, dia duro de trabalho, mas seu pensamento foi só para Maria. À noite foi até lá e a encontrou, pálida como uma nuvem, sentada na cadeira da varanda. Pouco se falaram. Ela se levantou chorando muito e ele, sem entender, somente a abraçou, segurando seus soluços. Então, através de um fio de voz que saiu de seus lábios trêmulos, ela lhe disse algo que ele só esperava ouvir depois que fossem casados, depois que convivessem sob o teto daquela casa que ele sonhava construir, depois que seus corpos estivessem unidos num só, depois que tivessem suas vidas comungadas numa só alma. Quase num sussurro ela falou “estou grávida”, e ele, atônito, levou alguns instantes para entender o que diziam aquelas palavras.

Sentiu ali o mundo cair sobre sua cabeça, como a tempestade que surge junto ao vendaval, como a lâmina traspassando o órgão vital, como o precipício que se abre sob os pés que caminham na escuridão. Soltou-se dela e ficou estático. Não tinha mais o que fazer ali. Maria não retrucou. Deixou os braços caírem sobre seu colo e não levantou os olhos. Crescia em seu ventre o fruto de um amor que não era o deles dois. Isso ela não podia negar.

O que restava era ir embora. Voltou-se para a saída enquanto Maria jogava-se de volta na cadeira da varanda, completamente despedaçada. Ele saiu pelo portão, atravessou a rua, sentou-se no meio-fio e ficou ali durante horas, como nos tempos de criança, postado diante da casa azul. E se lembrou da menina que corria por aquele quintal, que sempre havia sido a razão da sua vida. O que faria agora? E os planos que arquitetara com tanto esmero? E o que seria ele dali pra frente, sem mais nada pelo que valesse a pena continuar vivendo?...

Nada, não seria nada. Então, para que sua vida não se tornasse em vão, ele levantou-se decidido, atravessou a rua, entrou pelo portão e alcançou novamente a varanda onde Maria ainda estava, totalmente desolada. Antes que ela pudesse esboçar qualquer reação, ele falou:

_Não me interessa de quem seja esse filho. O que me importa é que eu te amo mais que tudo nessa vida, e é com você que eu quero viver o resto dos meus dias.

Os olhos dela se iluminaram, e o pranto de profunda tristeza que corria em seu rosto subitamente transformou-se em lágrimas de imensa alegria. E no momento em que se abraçaram, sentiu pela primeira vez a criança se mexendo dentro do seu útero.

E viveram felizes para sempre.