A VIAGEM DE VOLTA ( I - Relíquias de uma Vida)
A VIAGEM DE VOLTA
A Mel ao retornar do portão, sentou numa pequena poltrona na sala como de costume, e ficou ali assistindo televisão. Fazia isto sempre após o jantar, até dá a hora de começar encarar os livros.
Procurou não pensar mais no assunto e tentava encarar àquela despedida como um assunto corriqueiro, sem se atinar que àquela seria uma despedida, talvez um adeus. Mas na sua consciência, ela entendia que deveria ser assim e por isso procurou desviar os pensamentos, mas no fundo sabia que tinha machucado ele.
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Pronto! Já havia agasalhado o resto das coisas no bagageiro do ônibus, agora era só esperar pela partida do mesmo e deixar para trás de vez todas as lembranças. Estava banhado em suor e o seu coração era uma tristeza só, parecia que estava deixando um pedaço de si para trás.
O ônibus aos poucos foi deixando a cidade e ele via pela janela as casas passando depressa e logo entraram na rodovia. Por àquela estrada que ele conhecia tão bem, ia sentindo o serpentear do ônibus, acompanho as curvas, que se desenhavam pelas planícies, vales e montes. Os seus olhos acompanhavam a vegetação passando rapidamente feito vultos.
Seus olhos tristonhos perdidos no vazio e em seus pensamentos um amontoado de lembranças... sim, lembranças antigas e novas, que se misturavam em doces e doídas recordações, doídas pelas últimas, e era impossível não sentir vontade de chorar, e as lágrimas vieram...aliás, os restos que sobraram, pois já não havia mais lágrimas, estava na verdade “espremendo” de tanta dor.
Tentava desviar os pensamentos, mas eles teimavam em voltar sempre para o mesmo lugar e a perguntar: porque ela fez isso, porque??
Às vezes tentava se fazer de durão, mas logo se rendia àquela dor, àquele sentimento, eram mais fortes do que ele.
Estava voltando para suas raízes, agora era uma nova vida. A Mel seria passado...embora no fundo não admitia isso.
A tarde caia lentamente... e ainda ali no balanço do ônibus, a dor parecia ficar mais doída, a hora do ângelus, sempre nos trás um pouco de melancolia e o coração dele sensível que estava, sentia a dor ainda maior.
O ônibus chegou ao seu final, mas o Tom ainda teria alguns pares de horas de viagem até a sua cidade. Olhou para a bagagem, dez volumes espalhados pelo chão. Como fazer para carregar tudo aquilo até o hall de embarque que ficava na parte superior do terminal rodoviário? Não tinha ninguém para ficar vigiando enquanto ele carregasse. Pensou: quem está perdido não procura caminho, não tenho outro jeito, o negócio é arriscar. Também quem vai pegar essas caixas de papelão...essa tralhas...e assim, foi carregando tudo sozinho mesmo porque não tinha dinheiro para pagar carregadores.
Deixou-os, amontoados junto à plataforma de embarque, para ficar mais fácil de levar até ao ônibus e foi comprar o bilhete.
Agora era o último percurso da viagem, ainda seriam boas oito horas naquele banco de ônibus. Estava exausto, àquele dia não havia sido fácil, desde bem cedinho carregando caixas de livros, ora aqui, ora ali, subindo e descendo escadas, etc.
Logo que o ônibus deu partida, não demorou muito para adormecer, já se aproximava da meia noite, acabou sendo vencido pelo cansaço.
Chegou ao final da viagem com os primeiros raios de sol, apesar do sonho de começar a trabalhar exercendo a profissão de engenheiro, esse sonho estava ofuscado pela imensa tristeza que machucava a sua alma.
Como a sua família não tinha casa na cidade, conseguiu com sua tia um quarto onde pode se acomodar até poder se estabelecer direito.
Precisava mesmo era começar a trabalhar e assim, logo no outro dia cedinho foi procurar o seu amigo que havia lhe dito que existia uma vaga de engenheiro numa repartição pública e ele queria se inteirar direito disso.
Mas ao chegar ao local, viu que o assunto não era bem como o amigo havia lhe dito, e a tal vaga nunca chegou de concreto a existir. Foi uma decepção total.
Bem, mas agora era tocar a vida pra frente, teria que começar a trabalhar por conta própria, mas nem mesa tinha. Então, mandou fazer o tampo da sua prancheta – os pés ele havia levado consigo – e assim, começou a batalhar serviço.
Não dispunha de recurso para poder alugar uma sala e montar um escritório, então o jeito era mesmo ficar trabalhando ali na casada sua tia.
Estava arrependido de ter vindo, se tivesse lá, pelo menos estaria perto dela...agora tudo seria mais difícil. Apesar da dor, não conseguia deixar de pensar nela.
Procurou então direcionar seu coração para a sua namorada e assim quem sabe, esquecer a Mel. Ficou algum tempo sem notícias dela, até que um belo dia chega uma correspondência. Bastou ele ver a letra dela no envelope, pra o seu coração disparar...quase saindo pela boca. Era o convite de formatura dela. Pronto! Foi o suficiente para ele esquecer tudo. Ela não fez referência alguma sobre a despedida.
Ele não foi na formatura dela, pois sabia que seria muito difícil para ele, ficar perto dela, sem nem poder lhe dar um abraço e isso seria muito doído. Mas era a oportunidade de conhecer os familiares dela, no fundo ele tinha essa vontade. Não sabia explicar porque, talvez por gostar tanto dela. Achou melhor evitar essa dor, porque da despedida já nem lembrava mais.
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Àquele último semestre para Mel passou rapidinho. Ela sentia falta do seu amigo mas estava muito concentrada nas provas e envolvida “emocionalmente” com a formatura. Faltava pouco para ir embora daquela cidade.
Ao receber os convites, pensou logo em enviar para o seu amigo. Apesar de saber que seria complicado, ela queria tanto ele ali...iria dar um abraço nele de despedida. Mas agora já era tarde, o que está feito, está feito – pensou ela.
Bem, enfim chegou o dia da formatura. E como aconteceu com o Tom, ela também ao receber o canudo, pensou nele...acho que ele iria ficar muito orgulho de mim, tenho certeza disso e uma dorzinha de saudade lhe deixou momentaneamente tristonha e pensou, onde ele estaria naquele momento... Mas logo se refez, não era mulher de deixar se abater pela emoção e aquele dia era de alegria.
Terminadas as recepções, festas, etc, era hora de voltar pra casa. Suas coisas pessoais não era muitas, mas tinha os utensílios que ela havia trazido de casa quando montou a república, precisava pegá-las. Foi a primeira vez que voltou lá, desde que saiu e veio morar próximo do Tom. E foi mais uma recordação, ao lembrar dele ali, lhe ajudando a montar e até mesmo, negociando junto ao proprietário. Bem aquilo tudo logo, logo seria passado – pensou ela.
Agora tudo já estava devidamente acomodado nos veículos, era hora da partida. Seu namorado já esperava no carro, a dona Iolanda na porta, tristonha, porque sua companhia estava indo embora. Ela apesar de parecer durona, no fundo aprendeu a afeiçoar à Mel e a tinha como filha até, mesmo que nunca tenha demonstrado isso.
O namorado chamando e ela disse já vou...e desceu mais uma vez lá onde o Tom morava, e olho para a porta do apartamentinho... onde tantas vezes estudou com ele...sabia que iria sentir muitas saudades dali, onde foi muito feliz, onde encontrou a paz para poder estudar.
A dona Iolanda sabia muito bem o que a Mel foi fazer lá...não fez comentário algum.
A Mel então olhou mais uma vez para o seu quartinho...e encaminhou para a saída, seu namorado já estava incomodado com àquela demora. Despediu da dona. Iolanda, prometendo que voltaria qualquer dia para lhe fazer uma visita.
Àquele ano estava se encaminhando para o seu final. Foi um ano especial para os dois, pois concluíram os seus estudos e também marcou a separação deles. Com certeza seria um ano que ficaria marcado pra sempre na vida dos dois, o ano de 1982...
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Final de um ano, início de outro, é o ciclo da vida. Adeus ano velho, feliz ano novo, é a marcha – um slogan que era muito comum naqueles tempos – e com o ano novo, renovava as esperanças de muitas conquistas e realizações. Claro que para os dois não seria diferente, principalmente porque eles estavam em busca de realização profissional, já que acabavam de se diplomarem.
O Tempo é o melhor remédio – dizem os mais experientes - e talvez seja mesmo, pois o tempo encarregou de dissolver as dores daquela despedida, no coração dele só saudade e no dela também, embora um pouco menos.
Depois que a Mel se acomodou de vez em casa, percebeu que algo havia mudado, já não sentia como antes de ir para a faculdade, talvez tivesse desacostumado com a vida na casa dos pais, a menina agora era mais independente.
Normalmente, como era o costume da época, namoro não podia ficar velho e ainda mais quando já se formou nos estudos. Para a Mel assim se faria. Marcou-se o casamento então, seria dali a aproximadamente 5 meses. Assim que os convites ficaram prontos, separou àquele que enviaria para o seu amigo.
Já fazia alguns meses que eles não davam notícias pro outro até àquele dia, quando o Tom chegou em casa e encontrou uma correspondência dela.
Só de ver a letra dela subscrita no envelope, seu coração já disparava...era algo assim, inexplicável. Abriu com cuidado, mas ao mesmo tempo ansioso – como era de costume quando de se tratava de correspondência dela – era o convite de seu casamento. Junto tinha uma carta, onde ela dizia que gostaria que ele fosse seu padrinho de casamento, mas por entender que era muito difícil, muito complicado, não o convidou.
Teve vontade de estar lá, mas sabia que era muito complicado, como iria explicar sua presença ali.
Então, no dia e hora do casamento ele se concentrou e mentalizou energia positiva e enviou para ela...orou, pediu a Deus para abençoar o casamento dela. Ficou assim, pelo tempo que imaginou que duraria a cerimônia. Ele queria que ela fosse muito feliz.