Capítulo XCIII
( continuação do capítulo anterior )
- Minha magrela, venha cá! quero ouvir você cantar, mas uma música bem bonita, para que eu nunca mais me esqueça...
- Mas você mesmo me disse que tem memória de lesma, vai acabar se esquecendo.
- Se me esquecer você canta novamente para me relembrar...
- Limpem seus ouvidos porque vou cantar!
E cantou e encantou a todos, tão afinada quanto o violão que fazia contra ponto e acompanhamento ao que ela cantava. Em certo momento, Márcio fez um dueto com ela, mas quando a voz dela alçou os acordes mais altos, ele somente ficou admirando a escutar.
Maria Rosa cantou também e nem Moacir sabia que sua voz era tão bonita, mas ela se esqueceu do trecho da letra e Maria teve de auxiliá-la.
Quando terminou o sarau, os dois casais se dispersaram, e saíram aos pares aproveitando a claridade do luar. Enquanto Moacir e Maria se abraçavam e se beijavam, Márcio se aproximou mais de Maria Rosa e tentou enlaçá-la em seus braços, Mas ela ficou relutante e lhe disse:
- Não Márcio, ainda não é a hora, tudo tem seu tempo, eu ainda estou sob o impacto de uma separação de um relacionamento muito querido, e não me sinto preparada... Gostei muito de você, mas a hora ainda não chegou, num dia, quem sabe, o futuro dirá...
- Tudo bem, sinto por você ainda estar ferida, mas o tempo cura, tudo passa. E ficaram a conversar de mãos dadas, um conhecendo o outro, dentro dos limites da possibilidade.
Silveira acompanhou Ana Luiza, empurrando quem estava na frente, enquanto a parteira e enfermeira seguia ao lado dela, dizendo para os dois que a levavam:
- É por aqui, é por aqui!
O doutor Darci, cujo consultório ficava na esquina, logo que foi informado veio para o hospital a tempo de ver o tumulto formado na porta e quando viu o cabo e o defunto, logo deu a ordem:
- Ponham esse homem lá no quartinho, nos fundos do hospital. Ele pode esperar!
- O cabo olhou para Ubirajara e Jurandir e enfatizou:
- Vocês não ouviram o que o doutor falou?
Ubirajara e Jurandir levantaram o corpo de Machadão, que já havia sido coberto com um lençol, e o conduziram para o quartinho, que ficava afastado do prédio principal do hospital.
Nesse quartinho, uma espécie de almoxarifado, e que era aproveitado também para guardar o material que seria recuperado, eram mantidos os estoques de remédios, materiais de limpeza, álcool, éter e demais utilidades de um hospital.
No pequeno espaço que existia no chão, eles depositaram o corpo de Machadão,e Jurandir não quis colocar o lençol por cima dele, preferiu colocar o lençol por baixo do corpo, tendo em vista que no chão havia sido derramado um material meio meloso. Antes de sair, ele viu um pacote de velas e disse:
- Bira, vamos deixar iluminado o corpo do nosso amigo, dizem que faz bem, e acendeu duas velas, uma em cada lado da cabeça do defunto, encostaram a porta do quartinho e saíram.
O médico, depois de medir a pressão arterial de Ana Luiza, ordenou:
- Tragam-me os sanguessugas!
A enfermeira rapidamente voltou com os vidros onde se encontravam os vermes em movimento, e o médico com o auxílio de uma pinça colocou-os em diversas posições do corpo de Ana Luiza.Quando os vermes estavam inchados por sugar o sangue, ele os retirava e colocava novos sanguessugas. Esse procedimento era demorado e Silveira ficou esperando no lado de fora, junto com o senhor Adalberto e dona Augusta.
- Não me conformo, senhor Silveira, com o que ocorreu... Como foram deixar aquele negro depositado ali na entrada do hospital, um absurdo, foi aquilo que causou a piora dela... Ela estava consciente, conversando comigo, depois que viu a cena, desmaiou. Silveira sem querer polemizar, concordou.
- É verdade...
Novamente ouviram barulho, correria e gritos:
- Fogo! Fogo! Fogo!
O quartinho tinha se incendiado, o fogo estava consumindo tudo e não havia águ para apagá-lo.
Machadão, sem atestado de óbito, foi cremado!
( continua no próximo capítulo )