ENCONTROS DA VIDA (PARTE 1)

Uma das coisas que eu mais gosto de fazer na hora do meu almoço (quando estou sozinho) é ler um bom livro numa livraria perto do escritório onde trabalho.

Eu cheguei a ler um livro inteiro, sem comprá-lo, depois de uma semana de visitas à esta livraria.

Atualmente estou o lendo o volume das CRÔNICAS DO FOGO E DO GELO, o livro que deu origem a excelente série GAME OF THRONES.

Semana passada enquanto eu estava mergulhado na leitura da página 73, sentou na poltrona ao meu lado uma mulher. Primeiramente, ela me chamou a atenção pelo perfume (parecia-me o Joop), e confesso que estava tão absorto com a leitura que não prestei muito atenção a ela.

Respondi ao seu boa tarde, e continuei minha deliciosa viagem no livro.

Estava meio distraído quando ouvi a voz dela me fazendo uma pergunta:

_ Desculpe-me por interromper a sua leitura, mas gostaria de ter a sua opinião sobre o livro que está lendo. É que eu comecei ler o primeiro volume, e parei na metade.

Eu demorei um pouco pra responder depois de olhar a mulher com mais atenção. Simplesmente linda. Vi naquele rosto uma beleza suave, de traços leves, sem qualquer tipo de maquiagem.

Seus lábio traziam um vermelho sóbrio, discreto, mas mesmo assim se mostrando presente. Os cabelos louros eram lisos, e desciam decididos além dos seus seios médios e hipnotizantes.

_ Desde que eu assisti a primeira temporada da série, não parei mais de ler. Uma amiga da minha esposa me emprestou 02 volumes, depois o 3º e o 4º. Achei tudo tão fascinante que nem quis esperar ela terminar o volume 5... e aqui estou eu.

_ Eu interrompi sua leitura e nem me apresentei, me desculpe. Meu nome é Evelyn.

_ Muito prazer Evelyn. Eu sou o Roberto.

Senti a maciez de suas mão no nosso cumprimento.

Seus olhos azuis eram tão vivos que fazem você ter vontade de mergulhar em suas órbitas brilhantes.

_ Eu não quero atrapalhar você Roberto...

_ Fique tranquila. Eu já li bastante, já tem mais ou menos uma hora que estou aqui.

_ Você vem bastante aqui. Sei disso porque também venho... e já vi você outras vezes.

A observação dela veio junto com um sorriso fácil e dentes brancos reveladores.

_ É verdade, eu realmente venho bastante aqui. Eu gasto a maior parte do meu almoço lendo. Almoço bem rápido, e depois venho pra cá.

Estar rodeado por livros me traz um conforto pra minha mente, pro meu espírito. Sempre adorei ler e escrever também.

_ Jura? Nossa, eu penso a mesma coisa, tenho essa sensação também.

Minhas amigas acham que sou anti social cada vez que eu deixo de ir no shopping com elas pra vir até aqui. Mas eu prefiro gastar meu precioso tempo de almoço lendo que ficar babando em bolsas e sapatos que não vou comprar.

_ Ninguém nunca me falou nada a esse respeito, mas eu algumas vezes me sinto diferente por almoçar sozinho, e depois ficar aqui lendo. Acho que a maior parte das pessoas não tem esse hábito.

Mas no final das contas eu ligo o "dane-se", e faço o que me faz bem.

_É... você está certo. Eu também muitas vezes me sinto assim, fico preocupada com o que os outros vão pensar ou dizer.

Você disse que escreve também, deve ser muito legal ter esse dom. Pelo menos eu acho que isso é um dom. Eu queria ter esse talento.

Que tipo de coisa você escreve.

_ Escrevo mais poesias, mas também já escrevi crônicas e contos.

Há uns cinco anos, mais ou menos, descobri um site de poesias, e, desde então, venho publicando meus textos lá.

É legal quando alguém lê o que eu escrevi e faz algum tipo de comentário. É muito gratificante quando recebo um elogio.

_ Se não se importar, depois você pode me dizer qual o nome do site?

Não quero perder a oportunidade de dizer às minhas amigas que conheci um futuro escritor de poesias (disse ela sorrindo).

_ Claro, sem problema. É sempre ganhar mais uma fã. O nome do site é Recanto das Letras, e o meu nome de fantasia é Deep Blue.

_ Legal. Assim que eu tiver um tempo vou ler o que você escreveu.

_ E lá você pode deixar alguma comentário, se quiser é claro.

_ Pode deixar que vou exercitar meu lado de crítico literário. Você escreve poesias, contos, crônicas... qual é a sua inspiração?

_ Bem... a maior parte de minha inspiração vem das relações humanas, do amor, e de seus efeitos colaterais: alegria, tristeza, prazer, tesão, angústia, mágoa etc.

Publiquei alguns textos eróticos também, a maior parte deles sobre coisas que realmente aconteceram, e poucas aproveitei pra dividir um pouco de minhas fantasias não realizadas.

_ Você se considera um homem romântico?

Vamos colocar da seguinte maneira: sou um homem romântico, mas atualmente não estou romântico. Não sei se fui claro na minha resposta...

_ Não, eu entendi sim. Muitas vezes passamos por momentos díficeis em nossas vidas...

_ Você é casada?

_ Eu sou... mas aproveitando como inspiração a sua resposta... acho que não estou casada. Nos últimos anos tenho me sentido estranha por estar morando com um homem que me parece estranho.

_ Parece que temos mais coisas em comum além do gosto pela leitura.

_ É verdade. Acho que tínhamos que estar aqui hoje pra conversarmos, e colocarmos pra fora nossos demônios.

_ Evelyn, você anda lendo meus pensamentos?

_ Quem me dera ter esse poder... Mas porque você disse isso?

_ É que nos momentos mais difíceis de minha vida, e ultimamente eles tem sido muitos, eu tenho sensação de que convivo com vários demônios dentro de mim. Não é tão simples quanto aquela estória já muito batida do anjo e do diabo, um cada ouvido... É algo mais complexo. Isso, de certa forma, acaba mexendo comigo, e me tornando uma pessoa que algumas vezes eu não gosto. Desculpe-me se eu te chatear com esse papo de divã.

_ De forma alguma Roberto. Eu adoro falar sobre isso, e sinto muito falta por não ter alguém que me ouça de verdade.

Eu não me iludo achando que tenho muitas amigas. Sei que amiga de verdade é difícil de achar,e as poucas que tenho parecem apenas fingir que estão me ouvindo.

Muitas vezes fico enjoada de tanto papo superficial.

_ Interessante você falar nisso. Estou fazendo um tratamento dentário, e ontem tive uma consulta com uma das dentistas do consultório que eu ainda não conhecia. E ela fez uma espécie de massagem no meus dentes. E você acredito que só de colocar os dedos na gengiva, nos dentes, ela começou a falar sobre mim?

_ Sério, que coisa louca!!!

_ E mais impressionante é que ela acertou tudo. Ela disse que eu havia passado por uma mudança drástica recentemente, que eu era muito pragmático, e que estava muito ansioso. Isso me tirou um pouco do foco nos instrumentos que estavam trabalhando na minha boca, e me fez lembrar dos meus demônios. Fez eu pensar que estava de boca aberta em frente a uma estranha cutucando o meu dente, e me enxergando como se minha alma estivesse ali aberta, escancarada.

Foi uma coisa até certo ponto assustadora, você me entende? E aí então eu fiquei pensando: poxa vida, eu precisei quebrar um dente pra discutir sobre quem sou e o que sinto!!! Por que enquanto eu pude falar, nós conversamos sobre o que ela me disse.

_ Nossa!!! Realmente foi um acontecimento inusitado.Aliás, nem me passou pela cabeça que eu estaria aqui hoje falando sobre coisas que não falo com ninguém... isso também chega a ser meio assustador.

Meu Deus, perdi a noção do horário. Acho que atrapalhei sua leitura do almoço...

_ Evelyn, não esquenta não mulher. Meu trabalho atual é bastante flexível, aliás, flexível até demais... por isso posso fazer quanto tempo quiser de almoço. Fora isso, sem dúvida ganhei meu dia: nossa conversa está muito agradável.

_ Ufa... já estava me sentindo culpada. Você tem filhos?

_ Tenho uma menina de 6 anos e um garotão de 15. E você?

_ Que legal, um casalzinho... Eu não tenho filhos.. e por mais que eu adore crianças, hoje tenho de dizer: felizmente não tenho filhos.

Estou casada há 5 anos, mas sinto o cansaço de uma mulher que está carregando um peso há 50 anos!!!!

_ Entendo... Eu sou casado há 18 anos. Nossa relação não passa por um bom momento, mas já tivemos momentos muito piores. Nossa... estou tão a vontade falando com você... mas tenho receio de te chatear com algumas coisas... agora eu que estou sentindo medo de ser julgado.

Com um leve toque de seus dedos finos em minha mão ela disse:

_ Roberto, olha... eu sei que nos conhecemos há.... pouco mais de 1 hora... mas fique tranquilo, só fale daquilo que se sentir confortável, e seja lá o que for, não sou de julgar as pessoas. Espero que tenhamos tempo pra você descobrir isso.

_ Ok. Então se prepara para uma avalanche.

_ Então manda.

_ Certo. Eu nunca fui um exemplo de bom marido, acho que nem de boa pessoa. Nunca machuquei ninguém, munca fiz mal às pessoas, pelo menos não de propósito. Mas nesse tempo todo que estou casado já tive muitos casos. Com menos de 1 ano casado eu me envolvi com uma mulher. Os anos foram se sucedendo, e meus casos também.

Mas minha esposa nunca percebeu nada, porque eu conseguia esconder isso bem. Na verdade, só consegui manter tudo escondido enquanto não ouve um envolvimento maior, além do prazer. Isso não quer dizer que eu tratava as mulheres como objetos sexuais, não... isso eu nunca fiz. Mas nenhuma delas me fez pensar em deixar o meu casamento de lado e começar uma nova vida com outra mulher.

Até que no final de 2007 conheci uma mulher linda, inteligente, sexy, gostosa... enfim... fiquei de tal maneira que não consegui esconder meus sentimentos, e pela primeira vez me passou pela cabeça ficar com essa mulher... essa mulher casada que também tinha 2 filhos.

_ Isso deve ter sido bem traumático, não? Como a sua esposa descobriu?

_ Os traumas permanecem até hoje, assim como feridas que teimam cicatrizar lentamente. Ela percebeu o quanto eu estava ausente. Eu nem procurava mais ela na cama, logo eu que sempre fui um tarado. Então todas as noites ela tirava um tempo de nossos sonos pra me pressionar, e eu sempre aparecia com o mesmo discurso: não está acontecendo nada é só impressão sua. Mas, eis que numa dessas noites, tudo virou um pesadelo enorme. Eu não aguentei mais mentir e falei que estava saindo com outra mulher, que estava amando essa mulher, e apenas omiti o fato de que ela trabalhava comigo.

Por um segundo achei que ela entenderia isso de uma maneira a compreender o que estava acontecendo, mas eu estava totalmente errado. Ela se levantou da cama, começou a jogar todas as minhas roupas em cima de mim, com cabide e tudo voando.... Acordou meu filho que na época tinha 10 anos, e gritou pra ele que eu não era mais o pai dele... Nossa, foi horrível.

_ Se você não quiser falar sobre isso tudo bem tá?

_ Sem problema. Houve um tempo em que eu realmente não podia falar sobre isso. Mas hoje, eu consigo amansar meus demônios aos espiar meus pecados. Enfim.... naquela madrugada eu saí de casa, com quase todas as minhas roupas socadas no porta-malas do carro e fui pra casa dos meus pais. Imagine como eles receberam a notícia. E tem mais, ela fez questão de ligar pra minha mãe e falar tudo que eu tinha feito... aquilo me machucou muito, a forma como ela envolveu meus pais nessa estória toda, mesmo sabendo que eu estava errado no que eu fiz.

Pra resumir, eu fiquei só um dia fora de casa; senti muita falta dos meus filhos. Ela me aceitou de volta, mas eu continuei encontrando minha amante.

O marido dela tão ficou sabendo de tanto pressioná-la. O cara tinha contrato um detetive pra seguir a gente. Ele marcou um encontro com a minha mulher e disse que tinha um dossiê em mãos. Segundo o que minha esposa me disse, ela não quis ver o tal dossiê, e ele a convidou pra sair, aproveitar a oportunidade e dar um troco na gente. Ela disse pra mim que não topou, apesar da mágoa e da raiva que sentia.

Depois disso os anos seguintes foram muito difíceis. Durante muito tempo ela fazia questão de jogar tudo na minha cara, e cada vez que isso acontecia tudo voltava na minha mente como se fosse tsunami dos infernos.

_ Roberto... que coisa doida... eu... nem sei o que dizer. Mas eu acho que você deve ter tido um motivo pra agir assim. Acho que nessas situações não existe apenas um culpado. Sua mulher devia ter alguma responsabilidade nisso... tudo bem que a traição é uma coisa horrível, até a suspeita de traição é algo muito doloroso.

_ Eu pensei assim durante algum tempo, mas confesso que carrego comigo a culpa todos os dias.

_ Roberto, nossa conversa está ótima, mas eu preciso ir de verdade.

Eu vou deixar o número do meu celular com você. Ligue-me quando puder, se quiser é claro. Eu adoraria continuar nossa conversa tomando um café.

_ Pode ter certeza que vou ligar Evelyn. Podemos até marcar um almoço.

_ Combinado. Vou ficar esperando você ligar.

Nos despedimos com beijos no rosto e um abraço forte de cumplicidade.

Depois que ela levantou é que pude ver que ela, além de linda, tinha um corpo maravilhoso, e seu jeito de andar preenchia o ambiente com sua delicadeza e elegância.

Carreguei o seu perfume o resto do dia, e junto comigo a lembrança de nossa conversa.

(CONTINUA)

Deep Blue
Enviado por Deep Blue em 23/05/2013
Código do texto: T4305266
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