Ludibriados
Te deixei só.
Te abandonei.
Te troquei, eu sei.
Te deixei embebecido com meu perfume e embriagado com minhas palavras, minhas declarações de um suposto sentimento ainda incerto, ainda imaturo, inexistente em mim. Te envolvi em meus braços, te dei carinho, atenção e tudo isso porque julguei você merecedor deles.
Mas não me entenda mal.
Não me confunda!
Estive, apenas sendo cortês esse tempo todo. E de tudo que fiz, só me arrependo de ter te deixado mais dores que alegrias, mais lágrimas do que sorrisos. Me arrependo por ter te marcado com tinta que lágrimas levam tempo pra apagar.
Em meus olhos refleti você, expus as melhores fotografias com as melhores cores. Selecionei tudo a dedo. Apressei meus passos para te alcançar, os desacelerei logo em seguida, só para me manter perto de você o suficiente para ser a tua companhia. O suficiente para te ter por perto. Queria ter a sensação de olhar para os lados e enxergar você. Quis ter aquela sensação de ver o tempo parar, ou ao menos senti-lo assim. Quis saber como é ver as horas congelarem, as palavras entalarem e os meus movimentos serem decapitados de mim diante de quem a gente quer, diante de que nos quer bem também.
Cantei, e te encantei.
Escrevi e te seduzi.
Te deixei olhar no fundo dos meus olhos, e deixei que eles te descrevessem. Deixei que, também, falassem de mim e de minhas intenções. Olhei de volta nos teus, e por mais amargura que eu comportasse dentro de mim, eu te devolvi doçuras sem fim. Meu paladar ácido, sobrevivia por detrás do sabor das balas de morango e menta. Minhas mãos estavam sempre aquecidas, meu ombro amigo ao teu alcance, e meus braços repletos de afago e compreensão. Meus beijos eram sempre quentes e no mesmo nível de intensidade que os teus. Meu toque profundo te arrancava um misto de gemidos e suspiros. Te deixava ofegante, excitado. Conheci teu corpo, descobri nele um mundo de prazeres sem fim e te fiz conhecer sensações jamais sentidas. Fui teu, e pela primeira vez como um todo.
Corpo e alma.
Carne e unha.
Sem disfarces.
Sem máscaras.
Sem ludibriações.
Junto com a madrugada, senti chegar minha frieza regada à indiferença. Me vi desconexo, contraditório, totalmente previsível ali, em tuas mãos. Preso a uma realidade que não me pertencia. preso a uma louca vontade de estar acelerando meus passos pra te ter em minha vida. Preso a necessidade de amar você. Era amor, talvez, tarde demais. Você sumiu sem deixar marcas ou sinais. Desapareceu sem deixar rastros. Ouvi dizer que estava doente. Ouvi dizer que estava estudando fora ou que tinha se mudado. Me vi parar em cada esquina das ruas pra ver se você esbarrava em mim, ou em você. Me vi diminuir os passos esperando você acelerar os teus em minha direção. Esperei. Esperei, e esperei mais um pouco, sentado no banco daquela praça, pelo teu nascer com o sol, ou quem sabe com a lua. Soube que você descobrira tudo e que tinha lido e entendido em meus olhos as minhas intenções. De que não era amor, era -apenas- cortesia. Mas a verdade é que você não sabia
a verdade, ou pelo menos de uma boa parte dela.
Fui no endereço onde você me disse morar, mas lá soube que não havia ninguém com seu nome. Teu número era inexistente e você um completo mistério em minha vida. Resolvi te escrever esta carta, sem um destinatário certo. Escrevi para te contar tudo, as verdades, as mentiras e as fantasias que criei para me aproximar de você. Escrevi para que saiba que nem tudo que vivenciamos foi mentira, existe uma parte de mim que, não me pergunte como nem quando mas, te ama. E esse amor, que guardo aqui dentro, para ninguém mais serve se não for pra você. Por que esse coração só pulsa, porque ainda tem esperança de que essa carta irá te encontrar aonde quer que você esteja.
Por que as marcas que provoquei em ti, agora residem em mim. E as tuas cicatrizes em mim ainda são feridas abertas. Meu coração está inflamado e meus olhos inchados. Eu ainda me pego desacelerando os meus passos em cada esquina na esperança de te encontrar. Hoje, sou eu quem está só, e me pego pensando se talvez o que vivemos não tenha passado de uma mera mentira. Onde eu jurava te ludibriar, mas na verdade era você que me enganava. E as consequências desta história, sou eu quem preciso assumir daqui pra frente. E o pior de tudo, sem você.
Bem, eu só queria que você soubesse, que você foi o mais próximo da felicidade que eu já vivi em toda a minha vida.