Dolorosa Covardia

“Liz, eu preciso te ver, disse a voz do outro lado da linha, te espero na praça, perto do chafariz aonde nos sempre vamos”, e antes mesmo que ela pudesse responder a linha ficou muda, a voz de Charles estava urgente, angustiada, mas ela não pode notar isso naquele momento, para ela era apenas a vontade de vê-la tão grande quanto a vontade que ela tinha de vê-lo, já faziam quase duas semanas que não conseguiam se ver, eram apenas conversas longas pelo celular, ela se vestiu e saiu rapidamente, um dia quente e lindo, ao vê-lo correu em sua direção encontrando seu abraço, algo estava diferente, ele a abraçou mais forte que o normal, a segurou mais tempo que o normal, quando a soltou, ele a olhou demoradamente tomou fôlego e disse apressadamente “sinto muito, sinto mesmo, mas acabou, não quero mais ficar com você, tenho outros planos pro meu futuro e você não faz parte deles, espero que você saiba o quanto eu te amei, mas já não fomos feitos uma para o outro.” Sua voz era firme, decidida, ele não balbuciou nem por um momento, sem entender direito, os olhos de Liz se encheram d’agua, ela respirou fundo, fechou os olhos por um momento, tentando processar o que estava acontecendo, ela olhou pra ele que permanecia sereno, firme, decidido “É só isso? Você vai me deixar e pronto? Tudo o que vivemos, o que sentimos, simplesmente não te serve mais?” ela cuspia as palavras, quase sussurros, ela não conseguia controlar sua voz, “Sinto muito, mas está na hora de acabar, você sempre será minha melhor amiga, vivemos muita coisa boa, mas tudo acaba e nos acabamos, eu conheci outra pessoa, estou apaixonado.” Ele continuava calmo, ela teve vontade de esmurrá-lo, de gritar, espernear, mas ao invés do escândalo, apenas mordeu os lábios, as lagrimas eram incontroláveis, ela sabia que seria incapaz de falar alguma coisa, ela mal podia respirar naquele momento, após um momento enlouquecedor de silêncio ela deu as costas para ele e foi embora, sem conseguir olhara para trás, com medo, com raiva, ela voltou para casa.

Era um fim de tarde quente, a visão pela janela do 15º andar era de um lindo entardecer, quase uma pintura feita minuciosa e delicadamente por algum pintor de alto gabarito, o sol se pondo em uma explosão de cores vibrantes, o céu em um azul puro e limpo, dentro o apartamento, praticamente monocromático o cinza dominava a vista, uma semi penumbra, iluminado apenas pela luz que entrava pela janela, Liz, estava sentada no sofá, olhava a parede, aliás ela olhava pra o nada, a parede apenas estava no caminho, em sua frente sobre a pequena mesa de centro, um copo, quase pela metade, ao lado a garrafa de whisky, quase vazia, com os dedos ela contornava a borda do copo lentamente, a outra mão, ela se abraçava, apertando os dedos em sua cintura, como se precisasse sentir que ainda estava viva, ela suava, mas não era calor, era febre, o suor se misturava com as lágrimas.

As horas se passando, ela mal se mexia, a escuridão agora era quase total, a penumbra deixava o ar ainda mais pesado, o olhar antes firme e longínquo, agora estava ali, perdido, triste, olhando em volta, procurando algo com que pudesse se alegrar, lá fora a lua cheia, radiante, o céu parecia mais estrelado do que nunca, pela porta da varanda entreaberta, uma leve brisa entrava na sala, o pranto aumentava, agora ela soluçava, desespero, angustia, uma vontade louca de gritar, sem forças, sem voz, ela apenas soluçava,tirando a mão do copo, ela se sentou no chão e abraçou seus joelhos, tentando recuperar a sanidade, tentando se manter inteira, o silencio se tornou absoluto, apenas sua respiração rápida, pesada, ela buscava algum tipo de controle ou de conforto dentro de sua própria mente, buscando por lembranças ou algo para fazê-la sorrir, ou ao menos acalmar-se, nada adiantava, nem um dia ensolarado na praia, nem as baladas com as amigas. Incontestavelmente as melhores lembranças eram com ele, mas ele era a causa disso, pensar nele só pioraria a situação. Um grande gole, o copo vazia, apertado em sua mão, de repente, cacos pelo chão, num ímpeto de raiva, o copo voou para a parede, pequenos cristais pelo chão, refletindo a lua linda.

Então ela levantou e foi até a varanda, a noite estava alta, o vento remexeu seus cabelos, normalmente ela passava as noites admirando o luar, normalmente estaria abraçada com ele, mas hoje, aquela noite tão linda só a deixou mais triste, não era justo com ela, uma noite assim perfeita, no dia em que ela viu seu mundo acabar, no dia em que tudo perdeu o sentido. Ela voltou para dentro do apartamento, tomou um banho quente, na esperança de relaxar, a noite estava quente, ela se trocou sem pressa, um vestido preto, leve, curto, as costas ficavam à mostra, uma sapatilha baixa com um laço vermelho, ela penteou os sedosos cabelos loiros calmamente, pôs um par de brincos de ouro com brilhantes, presente dele, uma corrente com um pingente em forma de coração com as inicias E e C, após fez uma leve maquiagem e se perfumou, quando terminou, parecia um anjo, pegou o telefone e ligou para ele, caiu na caixa de mensagens: “Eu sei que você não quer falar comigo, perdoe-me por ligar, só queria dizer que sempre te amarei, espero que seja muito feliz, adeus Charles.”

Ela estava na varanda, a lua iluminava seu rosto, um vento suave balançava seus cabelos, ela sorria, a cidade lá em baixo se movia num ritmo frenético, ela subiu no parapente, abriu os braços, largou o celular, respirou fundo mais pela ultima vez, então deu seu melhor sorriso antes de saltar, livre, solta, leve, o corpo vivo, mas a alma morta. Ela consertou isso, a alma morta, o corpo também.

Isabbel Such
Enviado por Isabbel Such em 22/05/2013
Reeditado em 04/09/2019
Código do texto: T4302495
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