Tentação  ( parte LXXXVII )
 

                                         ( continuação do capítulo anterior )
 
 
Ubiratan passou a morar na Praia do Flamengo número duzentos e doze  e diariamente a carruagem da senhora Alzira ia levá-lo ao trabalho, e ao término do seu expediente a carruagem estacionava em frente à Importadora Vitória e ficava a esperá-lo.
Ele não usava somente aquele terno surrado que Silveira lhe dera, seu guarda roupa passou a ser variado, era uma exigência da dona Alzira, que gostava que ele só se apresentasse bem aos olhos dos demais, afinal ele era um poeta que estava sendo citado nos meios literários e suas poesias já tinham sido apresentadas até na terra de Camões. Essa apresentação em Lisboa teve grande repercussão no Rio de Janeiro, e logo depois Ubiratan, embalado pelos bons ventos que a fama lhe trouxe, foi convidado para participar da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, entidade que congregava a fina flor da academia brasileira.
O casal era frequentador assíduo das peças teatrais no Rio, e ambos ficaram conhecidos, quando juntos, fizeram uma crítica da apresentação de um grupo, na Casa das Óperas, publicada num jornal de grande circulação.
Ocorre que a Rainha de Portugal Dona Maria I, em decreto para preservar os bons costumes,  proibiu as mulheres de se apresentarem nos palcos, e o chefe de polícia da cidade, resolveu aplicar a lei, e então, para substituir as atrizes, improvisaram-se atores, que usaram roupas de mulheres e falando  fino, denominados travestis, faziam os papeis das personagens femininas. Como alguns atores não tinham feito a barba com perfeição, além de serem muito musculosos e apresentarem grandes gogós, a peça que deveria ser séria, caiu no ridículo e foi objeto da crítica feita, assinada por Ubiratan e Dona Alzira.
Um ator que havia se apresentado como personagem feminina, ficou indignado com a crítica e escreveu para o jornal um artigo em resposta, com o título : "Preto no branco", argumentando que queria colocar as coisas nos seus devidos lugares, porém, aludindo repticiamente aos autores da crítica, por ele ser preto e ela branca.
 
No sábado seguinte, Moacir foi visitar Maria para se redimir do bolo que havia dado nela, ao ter marcado e faltado ao compromisso. Mas deu tudo certo, porque no final da semana anterior havia chovido copiosamente, e eles não poderiam ter ido tomar o banho de cachoeira como previam.
- Maria, mata a minha curiosidade, de que região da África que você é?
- Eu sou brasileira de Magé, não sou africana!
- Ora, mas seus pais, de onde vieram?
- Meus pais também são brasileiros, são baianos...
- Mas, seus avós?
- Ah, eles eram africanos.
- Mas de onde na África?
- Não sei não, nem eles sabiam, eles só falavam a língua deles...
Moacir, se antes estava curioso, ficou com uma curiosidade ainda maior.
- Você não sabe nenhuma palavra que eles diziam?
- Eu não conheci meus avós, eles morreram novos e meus pais ainda não eram adultos...
- Quais avós, por parte de pai ou de mãe?
- Meus pais eram primos, os pais deles eram irmãos, casados com duas irmãs, e todos os meus avós morreram com menos de quarenta anos, durante a epidemia da varíola...
Moacir achou melhor não insistir no assunto, aquele era um caso sem solução.
As diferenças físicas entre os dois eram marcantes, embora fossem da mesma altura, ela era fina, ele encorpado. Mas diferenças não eram só físicas, estavam estampadas no modo de agir e pensar, enquanto ele era prático, ela era sonhadora, vivia a cantarolar, a se lembrar com ricos detalhes de fatos do passado. Ela era uma privilegiada, sua memória era fantástica, enquanto a do Moacir, como ele mesmo dizia, era de uma lesma... Essas diferenças dela é que o fascinavam ao mesmo tempo em que também o amedrontavam. Acreditava que conviver com pessoas assim tão diferentes era realmente um desafio, pois  a cada momento poderia gerar uma discordância, mas por outro lado existia um fator estimulante pelo fato de que nesses relacionamentos todos aprendem sempre, pela visão diferente que cada um dos parceiros tem de uma determinada situação. Por tudo isso, Moacir era cauteloso ao tratar com Maria, sabia que ela por se apresentar sempre como uma brilhante contestadora de suas opiniões, às vezes até oponente, poderia de repente, numa visão diferenciada, gerar um conflito, o que ele não queria que acontecesse. Embora sempre pisando em ovos ele nunca deixou de ser autêntico naquilo que falava para ela, ele a respeitava...
Era tudo muito diferente daqueles tempos com a Gioconda, quando tudo girava em torno do sexo e da desconfiança...
- Você vai aparecer na semana que vem?
- Não posso, vou visitar a minha família, você e o Márcio não querem ir até lá?
- Onde é?
- Em Pirapetinga, divisa de Minas com o Estado do Rio...
- Se o Márcio quiser, nós vamos!   
- Poderemos ir de charrete, vocês são magrinhos, dá para nós três.

                                                         ( continua no próximo capítulo )    
elzio
Enviado por elzio em 20/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4299424
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