Tentação ( parte LXXXVI )
( continuação do capítulo anterior )
- Eu me admiro da dona Alzira estar namorando um negro! Logo ela, uma senhora tão distinta e inteligente, uma poetisa de escol! Mas que mal gosto!
- A paixão minha querida, quando acontece, amolece o coração!
- Ora, senhor Paulo, o senhor seria capaz de se casar com uma negra? Seu coração amoleceria por uma negra?
- Quem foi quem disse: desse pão não comerei, dessa água não beberei? Não se sabe por quem nosso coração vai bater mais forte, não é, dona Ismênia?
- Eu não iria escolher um negro, em hipótese alguma, nem que fosse o último homem sobre a Terra...
- Não cospe para o alto, dona Ismênia...
- Vira, vira essa boca para lá, senhor Paulo!
Os comentários corriam de boca em boca e na reunião seguinte do grupo do sarau, todos esperavam para ver a dona Alzira chegar de braços dados com um negro...
Mas, para a frustração de todos, eles chegaram em momentos diferentes e sentaram-se lado a lado e na saída, no entanto, para fermentar mais os comentários, deram-se as mãos e seguiram em direção da Praia do Flamengo, deixando para trás a maldade alheia.
Maria era uma moça negra e alta, assim como seu irmão Márcio, tipos longilíneos, uns negros muito diferentes da família de Moacir, tinham os rostos finos e os dentes de uma brancura de chamar a atenção. Pelo biotipo não eram oriundos da mesma região africana, pareciam ser do nordeste da África, enquanto Moacir e a família eram angolanos e falavam o yorubá.
Moacir ficou curioso em saber a origem de Maria, seria ela uma daquelas negras muçulmanas que vieram do nordeste africano e que falavam o árabe?
No sábado ele iria descobrir tudo isso, acabaria com a sua curiosidade.
Quando chegou a terça feira, Ubiratan lhe comunicou que o navio com carga americana havia desembarcado a caldeira, que deveria ser instalada logo, porque as cargas no porto se não fossem retiradas dentro do prazo, teriam que ser penalizadas com uma sobre estadia, o que onerava demais o frete, e diminuiria o lucro da importação.
Durante a terça feira Moacir ficou perdido dentro da burocracia portuária para poder identificar a caldeira, tendo que voltar na quarta, quando então ele conseguiu ver o material. Era um equipamento grande e pesado demais para ser transportado numa simples carroça. Ele teria que ser desmontado em partes, transportado e novamente remontado no local a ser instalado. Isso demandaria tempo, contrato de carroças com junta de bois, e gente para ajudá-lo na empreitada.
Para tal, Moacir teve que adquirir ferramentas de grande porte para desmontar a caldeira, criar um esquema para a remontagem para não se perder no que estava fazendo e com isso chegou o final da semana e ele não pode ir se encontrar com Maria.
Iria na semana seguinte, e enquanto isso continuaria com a sua curiosidade, seria ela uma negra muçulmana?
Silveira levou Ana Luiza para a Fazenda das Pedras, retornando no mesmo dia, porque havia combinado com o senhor Eugênio que fariam a viagem para Ouro Preto dois dias depois.
Silveira não conhecia Ouro Preto, quem conhecia aquela região e lhe passara informações fora Ana Luiza, mas estava com o mapa na mão, sabia quais os lugares que passaria antes de chegar lá. Tinha certeza, no entanto, que era uma região de difícil acesso, por ser muito montanhosa e que teriam que traçar uma estratégia para não se cansarem demais, nem eles, nem os animais. Escolheu com o senhor Eugênio, irem em bestas boas de selas por serem animais mais resistentes, próprios para viagens em regiões mais acidentadas e longas.
Silveira pediu a ajuda de Maria Rosa para o preparo da sua valise de viagem, enquanto equipava também a sela do animal, prendendo uma grossa capa que tanto serviria para o frio quanto para a chuva, além do imprescindível chapéu.
Quando chegou a noite, ele chamou Maria Rosa, para que dormissem no quarto de hóspedes, mas ela se recusou, dizendo:
- Desculpe-me, patrãozinho, agora vamos ter de interromper nossos encontros, ultimamente me tornei amiga de dona Ana Luiza, a ponto dela me confiar seus filhos em caso de sua falta, agora já não consigo mais traí-la.
Silveira achou certo o argumento dela e não insistiu, mas quando se recolheu, as palavras de Maria Rosa voltaram para ele como se fossem chicotes a açoitá-lo, ele começou a se sentir o verdadeiro traidor.
( continua no próximo capítulo )