É uma pena você não estar aqui pra rir do meu drama.

Tava tudo resolvido. Cada um pro seu caminho... E finalmente, eu podia ver claramente. Era pra ser mais uma tarde dessas de calmaria. Um bom livro, um bom filme, uma boa comida seriam suficientes. Sem colocar o pé pra fora de casa, só pra não correr o risco de voltar a toda aquela loucura da rotina de ver teu rosto em todos os rostos da multidão.

Mas então, depois de uma eternidade de esquecimento, quando eu finalmente tomo uma decisão, quando eu faço o movimento inicial pra me livrar de tudo isso, pra me ter de volta, você bate na minha porta.

É muito injusto o modo como a gente não dá certo separados.

E de repente você está em todos os lugares de novo. Na minha porta e refletido nos óculos da gente que passa lá fora. Você tá nas cores dos olhares, e sentado bem ali na sala. E depois na mesa da cozinha... E como se não bastasse estar perto o bastante pra me guardar nesse seu abraço, você está no meu quarto. Mexendo nas minhas coisas, observando o que ninguém mais vê, ouvindo o que ninguém mais consegue tirar de mim. Tanto como ninguém mais tira de mim sorrisos tão verdadeiros à tempos, ninguém sabe me dizer as piores coisas como faz. E por mais certo que pareça pra mim, ninguém sabe ser errado como nós dois.

Também é injusto o modo como a gente não dá certo juntos.

E então, quando eu menos vejo, a noite chegou. A tarde planejada de desintoxicação de você, foi pro ralo. Assim como o dia estava acabando. Você ainda estava no meu carro, nas minhas coisas, e eu podia ouvir a sua voz. Mas ela estava indo embora. Ah, só eu sei o quanto eu não queria que fosse embora. O dia, você... Naquele momento senti medo da música do rádio acabar. Porque eu sabia que ela te levaria embora... E assim ela o fez.

E eu tinha razão de temer. Não havia mais música alguma tocando, mas se eu fechasse os olhos ainda podia ouvi-la. Você ainda estava em cada maldito canto. Você estava no sorriso estampado na minha cara. E meus livros na prateleira estavam desorganizados. Também era você neles.

Com o passar do tempo o sorriso do meu rosto fugia, pois a tua presença estava sendo substituída pela saudade e a certeza de que semana que vem haverá mais uma tarde planejada, porém sem interrupções. Provavelmente a campainha vai tocar uma ou duas vezes e eu vou sorrir. E então vou recusar comprar algum produto, e fechar a porta desanimada. Não será você. E uma hora eu, paranoica como sou, terei de colocar o livros que você desarrumou em ordem. Mas pior do que tudo isso, era sentir gradativamente o teu cheiro desaparecer do ar. Oxigênio cheira a veneno sem você aqui, e está me matando.