Tentação ( parte LXXXIV )
 
                                 ( continuação do capítulo anterior)
 
Silveira saiu de fazenda em fazenda com a procuração na mão, colhendo assinaturas, conversando com cada fazendeiro e conhecendo a realidade de cada um. Em cada lugar que ia, ele pedia para conhecer a senzala, e começou a ter uma visão mais ampla sobre a escravidão. 
Ele viu lugares escuros e sujos, onde o mal cheiro imperava, sem nenhuma claridade do sol, sem janelas onde o ar pudesse tirar os miasmas da imundice. 
As senzalas eram dormitórios coletivos onde não havia privacidade para os casais, em algumas senzalas não haviam camas, todos dormiam em cima de uma proteção de palha sobre o chão de terra batida, e quando chovia o chão era lavado pela água.
Em alguns casos ele encontrou melhorias, mas em nenhum havia banheiro com fossa sanitária, e mesmo nas Casas Grandes ele não encontrou instalações de água corrente. Em algumas Casas Grandes ele viu também sujeira nas cozinhas, baratas passeando junto ao fogão. Nesses casos não havia como dar aos escravos o que eles não tinham. Eram poucos os que conheciam  a relação de higiene com a saúde, assunto que ele já havia lido em revistas e jornais, mas o que esperar daqueles fazendeiros que mal sabiam assinar seu próprio nome?
Esse périplo que ele fez pelas fazendas foi mais proveitoso do que ele próprio poderia imaginar, lhe deu uma visão crítica da escravatura. 
Os seus escravos eram cultos, sabiam ler, liam nos jornais assuntos sobre higiene e saúde, sabiam revindicar, queriam melhorar de vida. Cobraram-lhe a instalação de água e banheiros, sua fazenda não tinha dormitórios coletivos para os escravos, a senzala tinha casas onde havia camas e  privacidade para o casal, para os filhos. 
Ele chegou à conclusão de que não adiantava somente abolir a escravidão, era necessário dar a cada escravo a escolaridade, porque senão eles continuariam escravos do sistema.
 
Quando estavam para sair da mansão do senhor Macedo de Alencar, Ubiratan pediu ao seu amigo Vinício, que ele o esperasse um pouco, que ele queria ter um pedacinho de prosa com a senhora dona Alzira. Ficaram à parte durante alguns minutos , quando ela lhe disse:
- O meu orgulho, Ubiratan, me impedia de perceber certas coisas, pra mim, o que lhe disse era tudo natural, não tinha noção de como fui grosseira e preconceituosa, Sabe, às vezes nós pregamos uma coisa, mas não conseguimos praticá-la, ela ainda não está fundida em nossa alma. Quero lhe pedir mil desculpas e para lhe demonstrar como essa lição foi importante para mim, vou lhe pedir uma coisa, mas quero ficar bem perto de todo mundo.  Posso lhe dar um beijo?
- Lógico que pode, dona Alzira...
Ela o abraçou,  beijou suas faces e lhe perguntou:
- Quando será nosso sarau?
- Quando a senhora marcar...
- Domingo, está bom?
- Ótimo.
Eles se despediram novamente com um beijo... Muita gente da sociedade ficou escandalizada naquele instante.
 
Jurandir dormiu na senzala da fazenda do senhor Eugênio, era bem diferente das casas dos escravos da Fazenda da Solidão, onde havia um quarto, que com a saída dos sobrinhos para o exército, ficou só para ele. O dormitório em que dormiu, era coletivo, onde  de dentro da cabana, via-se a luz da lua, o que queria dizer que em época de chuva, a água cairia sobre quem estivesse dormindo...
Quando acordou,  ele tomou o café da manhã com a família de Sinhá Moça, e ao se despedir dela, chegou o senhor Tonico:
- Tudo já está resolvido, não é, meu filho?
- Como assim?
- Quem lhe queria mal já partiu, não é?
Jurandir imaginando que fosse o espírito que o velho disse ter visto ao lado dele, lhe disse:
-Que bom que ele se foi, que fique com Deus!
O velho riu e foi caminhando, se apoiando num cacete que fazia de bengala. 
Mais adiante o povo comentava:
- Encontraram o Rômulo caído dentro do rio, o jacaré comeu sua perna... É o que faz a cachaça!
 
elzio
Enviado por elzio em 17/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4294785
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