Tentação ( parte LXXXIII )
 
                                  ( continuação do capítulo anterior )
 
Ubiratan é convidado para participar de um encontro cultural em Botafogo, onde faziam um sarau em que eram recitados os poemas ao som de violão ou harpa. Ele tinha novos poemas inéditos e queria  apresentar a sua poesia. Quem o convidou foi o poeta Vinício Abreu, que também pretendia apresentar seus sonetos e tinha ficado de buscá-lo em sua carruagem para que os dois fossem juntos, mas  teriam de chegar antes das vinte horas, porque o dono da casa e patrocinador do sarau, também poeta, Macedo de Alencar, fecharia o portão nessa hora, e não permitiria que ninguém entrasse ou saísse depois de iniciado o sarau.
Quando eles chegaram, faltavam quinze minutos para que fosse cerrado o portão. Ubiratan e Vinício ficaram acomodados na varanda conversando sobre suas poesias e só quando o portão se fechou, os dois foram procurar assentos  no salão. Haviam duas cadeiras vagas na segunda fileira, que antecedia a mesa, e foi para lá que eles se dirigiram. Quando Ubiratan foi se sentar, a cadeira ao seu lado estava ocupada pela senhora Alzira. 
Ubiratan cumprimentou-a e todos se calaram para ouvir as apresentações. O senhor Alencar falou algumas palavras agradecendo a presença de algumas pessoas ilustres e começaram as apresentações poéticas. No intervalo quando todos foram convidados para tomar café, sucos e comer biscoitos, eles voltaram a se falar:
- Ubiratan, eu me arrependi deveras do ocorrido, se você me der uma nova oportunidade, faremos um novo sarau solitário, como se não tivesse ocorrido o primeiro, o senhor é um cavalheiro e acredito que assim faremos.
- Se a senhora tem essa certeza, assim faremos, mas vamos conversar depois sobre o assunto.
 
Silveira resolveu pedir uma procuração de cada um dos participantes da reunião, para que quando chegasse a Ouro Preto, mesmo que acompanhado pelo senhor Eugênio, tivesse em mãos um documento legal que o credenciasse como representante do grupo. O formalismo era importante nessas ocasiões, porque ele bem sabia que, em disputas acirradas em torno de uma ideia que por si só já é polêmica, quando levada a votos, os representantes  contrários usariam de quaisquer meios possíveis para obstruir a ação adversária. E essa questão envolvia muito dinheiro, os escravos eram caríssimos, haviam senhores que possuíam centenas de escravos em cada uma de suas fazendas, era um patrimônio altíssimo que estava em jogo, e haviam fazendas que eram consideradas verdadeiras empresas agrícolas. Com certeza esses senhores viriam armados com um arsenal de advogados para defender suas causas, e se,  se sentissem realmente ameaçados, eles usariam o outro arsenal de poder e persuasão, o assassinato.
Ainda há bem pouco tempo, em disputas por terras entre herdeiros, na região de São João Del Rei, tinha havido três mortes, todas da mesma família, que provavelmente não seriam as últimas, porque ricos e poderosos nunca foram presos em terras brasileiras.
 
De dentro da moita, os olhos de Rômulo , vermelhos pelo efeito do álcool, acompanhavam febrilmente os movimentos dos dois namorados, as mãos que iam e vinham, o rosto da menina Sinhá encaixado entre as pernas do Jurandir, as roupas de ambos afastadas para facilitar as ações. Mesmo quando a escuridão local não permitia ver com clareza, ele imaginava em pensamentos libidinosos o que poderia estar ocorrendo, e queria estar no lugar do rival, mas ela o havia repelido por diversas vezes...Agora era a sua oportunidade, o rival estava preparando o caminho para ele, excitando a menina e ela seria como uma fêmea no cio, bem excitada, no ponto para que ele a comesse. 
A posição que ele estava era a ideal para um observador, no alto de uma barranca, onde lá embaixo corria o rio, e as águas se arremessavam contra as pedras com a maior violência. Com certeza ela atravessaria o rio, saltando de pedra em pedra, como fizera na ida, e teria que passar naquele lugar onde ele estava porque era a trilha para a fazenda. 
O sol estava se pondo e começava a escurecer, Jurandir se abotoou, segurou Sinhá contra o seu peito, fez juras de amor e beijou a sua boca até a exaustão, era a hora de se separarem. Ela se ajeitou também e saiu sem olhar para trás, enquanto Jurandir observava-a atravessando as pedras em perfeito equilíbrio. 
Sinhá Moça fazia esse caminho sempre que trazia as roupas para lavar, ela quando estava fora da época de cortar cana, que era exímia, era uma das muitas lavadeiras de roupas da fazenda, e foi nessas fainas que conseguiu força, agilidade e equilíbrio. 
Enfim, ela chegou ao outro lado e Jurandir, sossegado, ia tomando o rumo da sede Fazenda da Solidão. Foi quando ele ouviu barulhos vindo do outro lado do rio, e voltou-se para conseguir ver o que se passava, mas a escuridão o impedia. Quando Sinhá Moça alcançou a barranca, Rômulo investiu contra ela, segurou-a pelo braço, mas mesmo sem saber quem era que a atacava, ela reagiu e se jogou contra o corpo do agressor com força total, ele já desequilibrado pelo álcool,  caiu e rolou a ribanceira, tombando sobre as pedras. Devido à escuridão ela não visualizou bem o que havia ocorrido, gritou por Jurandir e voltou para a beirada do rio, onde havia atravessado. 
Jurandir logo apareceu saltando sobre as pedras, enquanto ela chorava copiosamente sem conseguir falar uma só palavra. 
Depois que ela se acalmou, contou-lhe o que havia acontecido, e eles imaginaram, que pela forte reação dela o agressor tivesse fugido ou estivesse escondido em alguma moita, e por isso resolveram que os dois iriam juntos até a fazenda do senhor Eugênio, sem contar para ninguém o que havia acontecido para evitar que o Capitão do Mato soubesse e os inquirisse.   
                                                       ( continua no próximo capítulo)