ANA

Novamente Ana desce do ônibus. Está um pouco mais arrumada que de costume.

O dia está feio para os que não gostam de dias cinzas. Ana não gosta de dias cinzas! Cinza tem sido os dias de Ana.

Se apressa em subir as escadas do metrô. O vento sopra sua saia rodada e seus cabelos longos e acha que ficara descabelada. Ao passar pela vitrine de uma loja, olha-se rapidamente e sobe a escada rolante, amuada com seu cabelo.

O livro que carrega entre suas pastas de trabalho cai no chão e ela não percebe. Um homem a esbarra e pede desculpas. Sem olhar para o homem, aceita as desculpas com um meneio de cabeça.

Dia seguinte, Ana desce do ônibus. Está de blusa nova pois ontem foi seu aniversário e ganhou alguns presentes. Passa pela mesma vitrine e olha-se rapidamente. Envolta em seus pensamentos, entra no amontoado de pessoas que tenta subir a escada. O dia está ensolarado, mas chove dentro de Ana.

Um homem lhe dá passagem para subir primeiro. Sem olhar para o homem, Ana meneia a cabeça agradecendo. Um casal de namorados sobe a escada ao lado e ela observa furtivamente.

Um, dois, três, quatro, vinte dias depois que Ana sobe e desce do ônibus para trabalhar e voltar para seu apartamento onde mora. Chove. Ana detesta dias de chuva! Sobe a escada rolante de cabeça baixa. Olha os sapatos molhados e limpa os pêlos que Tobias, seu gato angorá, deixara em sua calça ao se despedirem. Levanta a cabeça e seus olhos encontram outros olhos. Os olhos de um homem, que a olhava furtivamente e agora a encara. Ela então sente um tremor invadir seu corpo, um calor no peito e nas faces. Desvia o olhar. Um pensamento lhe ocorre. Olha para trás e vê outra mulher atrás de si. Ana baixa a cabeça novamente e volta a olhar os sapatos molhados. Seus pés estão frios. Molhados e frios como seu peito agora. Levanta a cabeça. O homem foi-se.

Dia seguinte, Ana desce do ônibus. O dia está cinza novamente e o vento leva as folhas de papel da pasta que traz junto ao peito.

Um homem se agacha ao seu lado e a ajuda a recolher as folhas. De qualquer maneira, ela recebe dele as folhas de volta e, entre elas, recebe também seu livro perdido. Ana assusta-se, olha para o desconhecido e então, sente um tremor invadir seu corpo, um calor no peito e nas faces.

O dia está cinza... mas faz sol dentro de Ana.