Tentação  ( parte LXXIX )
 
                                        ( continuação do capítulo anterior )
 
Ubiratan seguiu pela Praia do Flamengo até encontrar o número duzentos e doze. Ele trazia nas mãos os manuscritos das suas poesias, na frente o soneto "Intimidades" que a senhora dona Alzira fez questão de que ele levasse.
 Ubiratan usava o terno que Silveira havia comprado para ele, os sapatos brilhavam sob a luz dos lampiões.
Ele tentava se lembrar de como dona Alzira estava vestida da última vez em  que a viu, durante o sarau. Ela vestia um vestido longo de um cetim azul brilhante, todo incrustado com pequeninas pérolas que faziam o contorno do busto, realçado pela sua pele alva.
Sua altura era mediana, com cabelos bem pretos, a emoldurar-lhe o rosto claro. Ubiratan se lembrava dela como se fosse uma deusa helênica.
Estava em frente ao número duzentos e doze, uma luz tênue clareava a sala, mas não parecia ambiente preparado para um sarau. Ele consultou novamente a anotação, sim, era aquele o número, a data e o horário, todos os dados estavam corretos. Será que teria anotado a data ou o número errados? Não, ele tinha certeza de que tudo estava correto, endereço, data e hora. Talvez ele tivesse chegado muito cedo... Como ele era sempre pontual, diferentemente do brasileiro em geral, poderia ter chegado na hora certa e os outros chegariam mais tarde.
Segurou no badalo do sino e deu o sinal. Não demorou nem um minuto e a porta se abriu.  
Dona Alzira em pessoa veio recebê-lo, estava trajando um vestido bege, ornado com miçangas de cor cereja.
- Boa noite, Ubiratan! Vamos entrar...
- Cheguei muito cedo, dona Alzira?
- Não, o senhor é muito pontual, pontualidade inglesa...
Ubiratan entrou, ela fechou a porta e  o fez sentar.
- Por favor, Ubiratan, neste sofá, é mais confortável... Sabe, houve uma reunião de última hora na casa do Barão de Cotegipe, e parece que o sarau vai ficar restrito ao senhor e a mim... Se o senhor não se importar, faremos assim.
Como a senhora melhor achar, faremos, senhora dona Alzira.
- Então estamos acertados, vamos começar!
 
Silveira chegou pontualmente às duas horas da tarde e entrou no hospital. Dona Ana Luiza estava pronta e com a maleta dos seus pertences preparada para sair. Ela havia convencido o doutor Darci de que no ambiente familiar e seguindo rigorosamente as instruções e receitas que ele aviasse, ela iria melhorar e quando fosse nascer o bebê tudo seria mais fácil. Como ela ocupava durante muito tempo um leito e vários outros pacientes não tinham vaga para se internar, o médico achou melhor aceitar as ponderações dela, embora soubesse que ela corria risco de piorar e ter de voltar a ser internada.
Silveira por mais que insistisse não conseguiu convencê-la a ficar, muito menos continuar na Fazenda das Pedras.
- Meu lugar é em casa, senhor meu marido! Eu quero voltar para casa.
Silveira acertou  com o senhor Adalberto a cessão de uma charrete e deixou com ele o seu garanhão árabe, e voltou com Ana Luiza para a Fazenda da Solidão.
Depois de três horas de viagem que ela suportou com galhardia, sem demonstrar nenhum cansaço ou mal estar, eles chegaram.
- Meus filhos, meus filhinhos queridos, quantas saudades que a mamãe sentiu... E agarrou-se às crianças chorando copiosamente.
- Pensei que não ia vê-los mais, juro! Manoel, como você está grande e bonito! Antonio João vem cá, meu amor... Você já está falando tudo, menino!
 
Maria Rosa que já estava preparada para dizer a Silveira sobre sua decisão de não mais encontrá-lo, e estava tensa sem saber o modo de como fazê-lo, sentiu-se aliviada com o retorno de Ana Luiza, e também por dissipar a imagem do seu pesadelo em vê-la no caixão, o que volta e meia tornava a atormentá-la. 
Ela estava mais decidida a seguir o conselho de sua mãe, de procurar alguém em definitivo, enquanto tinha juventude e beleza, porque os anos passam e machucam o corpo, e a mulher deixa de ser atraente, ficando mais difícil de conquistar alguém.
Era a hora de deixar as aventuras no passado, e procurar um namorado sério que lhe desse estabilidade para cuidar dos seus próprios filhos. 
Ela chegara à conclusão de que Pulcena estava certa, era a voz da experiência.
                                                                  ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 12/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4286484
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