Tentação ( parte LXXVII )
( continuação do capítulo anterior )
Silveira chegou tarde em casa. Depois da reunião, o senhor Eugênio ainda serviu petiscos com aperitivos, e ofertou para cada um dos participantes uma sacola com três garrafas da mais fina cachaça da sua produção.
Durante o congraçamento, a conversa sobre a abolição continuou, mas as posições já não estavam tão acirradas, ouvia-se dizer que, se a abolição viesse mesmo como Silveira previa, que ela viesse sem traumas e que os escravos pudessem continuar como empregados. Um deles já aventava a hipótese de se aproveitar a oportunidade para se livrar dos escravos encrenqueiros e pouco produtivos.
Silveira alertou para que se evitassem criar problemas sociais decorrentes das pretensas dispensas, porque a maioria dos escravos mantinha vínculos familiares, existindo os casos óbvios, daqueles que não eram mais tão produtivos devido à idade e doença, e que nesses casos o sistema tinha que absorvê-los e ampará-los para evitar um mal estar na comunidade.
Quando ele foi desarrear o cavalo, foi cercado pela cachorrada que não parava de latir, um dos cachorros corria e ia até debaixo do jambeiro e voltava, era devido a um gambá que estava se escondendo dos cachorros na parte mais alta da árvore.
Quando entrou em casa Maria Rosa tinha acordado com o latido dos cães e estava em pé.
- Reunião demorada, patrão...
Silveira mostrou as garrafas das cachaças e ela sorriu.
Naquela noite foram para o quarto dos hóspedes, Silveira se esqueceu de todos os seus problemas aquecendo-se da noite fria nas coxas de Maria Rosa e desfrutou de todos os prazeres que ela lhe proporcionou.
Jurandir tinha ido à fazendo do senhor Eugênio visitar a Sinhá Moça, quando passou à cavalo em frente da Casa Grande, viu o garanhão árabe do senhor Silveira amarrado na frente do poste, junto aos animais dos outros fazendeiros. Ele ficou curioso em saber o que se passava ali, na última vez que ele viu tantos cavalos e charretes amarrados naquele lugar, foi quando o sobrinho do senhor Eugênio tinha morrido, um jovem rapaz que não tinha completado os vinte anos, querido por todos, principalmente pelos escravos, com quem muito conversava e dava atenção. Ele era epilético e teve um ataque na beira do rio, morreu estupidamente, afogado numa poça d'água. Houve muita comoção em toda a comunidade, ele era realmente uma pessoa querida ...
- Será que morreu alguém novamente?
Quando conversava com Sinhá Moça, a irmã dela se acercou e deu a notícia:
- Eles estão falando sobre a abolição dos escravos. O que é abolição dos escravos?
Jurandir explicou o significado de abolição da escravatura e a menina novamente perguntou:
- Será que isso é bom para nós?
Jurandir lhe falou da Lei do Ventre Livre, fez cálculos e chegou à conclusão de que ela não era beneficiária dessa lei, então ela era escrava...
- Escravinha, não é Jurandir?
Eles ficaram curiosos sobre o que tinha sido discutido, mas ninguém sabia ao certo, eles foram servidos pelas crianças que não tinham essas curiosidades...
Ubiratan frequentava um grupo de poesias e foi a um sarau num casarão da Praia do Flamengo, ele era respeitado por sua eloquência, memória privilegiada e cultura, versava sobre Vieira e Camões com a facilidade de um acadêmico, citava Anchieta com frequência. Quando começava a recitar, todos se calavam, tornava-se o centro de atenções.
Depois de terminada a sessão do recital, embalados pelos sons da harpa, continuavam a conversar, tomando xícaras de chás e comendo bolinhos da mais afamada confeitaria do bairro.
Foi numa dessas ocasiões que seu olhar se cruzou com o de Alzira, uma viúva, ainda jovem, com quarenta anos, talvez, porque idade de mulher é fácil de se estimar, mas difícil de se saber a verdade...
Alzira estendeu a sua mão e o convidou:
- Senhor Ubiratan, amanhã farei um sarau em minha casa, e estimaria que o senhor fosse e recitasse algumas de suas lindas poesias... Não esqueça daquele soneto que fala sobre as mãos, qual é mesmo o nome?
- Intimidades, senhora Alzira.
- Não me esquecerei mais desse nome, juro, Intimidades!
- Dê-me o seu endereço, por favor e diga-me em qual hora deverei chegar.
- Aqui mesmo na praia, no número duzentos e doze, às oito horas, está bom?
- Ótimo, estarei lá e muito obrigado pelo convite.
- Por favor, não falte.
- Não se preocupe, estarei lá.
Seus olhos se cruzaram e Ubiratan ficou hipnotizado, não poderia faltar...
( continua no próximo capítulo )