DESCOBRINDO O AMOR...

Duas noites depois, já tarde, voltou a bater à porta.
- Fiz um bolo inglês, tem ar de estar bom, quer provar um bocadinho?
Aceitei o convite e lá fomos para o sofá, sentados de novo lado a lado. Desta vez ela trazia uma saia de ganga mais curta e um top amarelo, com decote em V, o logótipo de marca sobre o seio esquerdo.
Debruçou-se sobre a mesa para partir o bolo e serviu-me uma chávena de café.
Estendi a mão e peguei na chávena. Bebemos em silêncio, comendo, cada um, uma pequena fatia.
Comentei: - Está muito bom, tem jeito, parabéns.
Agradeceu, sorriu e perguntou se queria mais um pouco, eu recusei delicadamente, estava a ficar gordo. Ela olhou para a minha barriga, depois deu-me uma palmadinha amigável no braço e disse que não concordava comigo, até me achava muito bem.
Debruçamo-nos ao mesmo tempo para pousar as chávenas e as nossas testas embateram lateralmente, deixando-as cair, fazendo-se em cacos. Instintivamente toquei-a na testa, afastei-lhe a madeixa de cabelo que tinha caído para a frente dos olhos e segurei-lhe o rosto com as mãos.
- Está bem? Desculpe, sou muito desajeitado, deixe-me compensá-la, amanhã compro duas chávenas iguais, pode ser?
Ela continuava a olhar-me nos olhos e nem sei porquê, eu continuava a segurar-lhe o rosto entre as mãos. Olhei para a sua testa e disse:
- Amanhã, mais dois galos cantarão. - Ela riu-se com vontade e instintivamente soltei-a, afastando-me do seu corpo. Tinha o rosto muito corado.
Entretanto eu olhei para o relógio.
- Já são horas de a deixar descansar.
Levantámo-nos do sofá, segurei-lhe no braço e fiz tenção de lhe dar um beijo na face como despedida, mas ela mexeu-se quando me aproximei do seu rosto e os nossos lábios acabaram por se tocar. Eu senti a doçura da sua boca, decerto do bolo, pareceu-me que correspondeu, disse-lhe: - Desculpe, não sei onde tenho a cabeça. Desculpe uma vez mais, não volta a suceder.
Baixou a cabeça e abriu a porta.
- Boa noite, até à próxima.
Eu entrei em casa, o coração a bater desenfreadamente. Meu Deus, realmente onde é que tinha a cabeça?

No dia seguinte, chegou a correr à paragem do elétrico, com o miúdo pela mão. Subimos para o estribo, eles em primeiro lugar e fomos de pé até chegarmos aos Anjos. O miúdo voltou-se para mim e perguntou à mãe:
- Mamã, este é o vizinho que canta muito mal no banho?
A mãe riu com gosto e fez-lhe umas festas na cabeça.
- É, pelos visto o futuro do nosso vizinho não passa pela música. - E deu-me uma palmada amigável no ombro. Disse-me que se tinha atrasado porque o pequeno estava cheio de sono e não se queria levantar da cama. Acenei num ato de compreensão.
Apeámo-nos na paragem mais perto do Metro, entrámos, ela tomou um sentido, eu a direção oposta. Disse-me adeus da plataforma e gritou um “até logo” prometedor. Não me pareceu nada inibida com a cena da véspera.