Amarelas

Entrei pela porta da frente naquele dia.

Caminhei até a cozinha e me deparei com um pequeno vaso de flores em cima da mesinha. Flores amarelas.

"Não são para mim", pensei.

Saí da cozinha para deixar bolsa, sapato, chave e livro em algum canto do quarto. Voltei e lá estavam elas: amarelas. Flores amarelas.

Resolvi ligar.

---------------

Ninguém atendeu.

Elas me encaravam como pequenos girassóis. Mas não eram. Se fossem girassóis, faria sentido. Girassóis são sempre amarelos. Exceto quando não são girassóis.

Aquelas ali eram miúdas. Bonitas, é verdade, mas pequenininhas. A-ma-re-li-nhas.

Eram tantas que pareciam se debruçar uma sobre a outra. Lutavam por espaço e atenção dentro daquele vasinho de plástico preto.

Enchi minha caneca com o café que estava na garrafa desde cedo.

Frio.

Abri a geladeira para pegar o açúcar.

Depois abri novamente para guardá-lo.

Abri ainda uma terceira vez, mas não peguei nada.

Virei meu corpo e encarei-as novamente.

Cheguei a pegar o vaso com a ideia de colocá-lo na varanda. Talvez precisassem de ar. E sol.

O vaso caiu então, e se distribuiu pelo chão, fazendo a terra e aquelas coisinhas amarelas se espalharem pelo mármore branco.

Quando voltei com o pano, notei que apenas algumas tinham caído, e estavam estranhamente distribuídas sobre aquela terra escura, quase preta.

"Bonito", pensei.

Coloquei o vaso no mesmo lugar onde encontrei. Elas pareciam menos espremidas agora. Pareciam maiores. Mas não eram. E continuavam amarelas. Eu não conseguia entender.

Talvez ele as estivesse comprado para filha de alguém. Ou outra mulher. Ou talvez tenha simplesmente errado a cor por ter comprado com pressa.

Ouvi a porte bater.

Abri a geladeira.

- Oi amor.

- Oi.

Ele deixou as chaves em cima da mesa da cozinha. Sempre fazia isso.

- Viu as flores que eu comprei pra você?

- Pra mim?

- Ué, claro - ele mastigava uma maça enquanto falava.

Virei de costas e encarei-as de novo. E lá estavam: amarelinhas de um jeito irritantemente delicado.

- Por que amarelas?

Ele parou um instante e as observou.

- Não sei.

Ele saiu da cozinha sem dizer mais nada.

Até hoje eu não entendo.

http://pensando-emvozalta.blogspot.com.br/2013/05/amarelas.html

Louise Hammer
Enviado por Louise Hammer em 09/05/2013
Reeditado em 09/05/2013
Código do texto: T4281269
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.