Entender o Amor
O que vem a ser o amor? É, na verdade algo inexplicável. Não por ser difícil, mas porque transcende qualquer tipo de explicação. É um sentimento arrebatador; por maiores que sejam as tentativas de entendê-lo ou classificá-lo, não conseguimos. O máximo que ocorre é envolver-nos no magnetismo da sua influência. O que é amar verdadeiramente uma pessoa? Esta pergunta é ainda mais difícil do que a primeira. Pensamos que amamos, essa é que é a verdade. Nós próprios não sabemos exatamente aquilo que sentimos pelo outro. O que o outro sente por nós não nos é tão complicado assim de entendimento e avaliação, mas o que sentimos isto sim constitui o problema.
Como nos enganamos! E com que facilidade. Deixamos a pessoa pensar que estamos loucamente apaixonados quando rolam, na verdade, outros interesses que tentamos mascarar para não sairmos feridos na relação. Por outro lado, quando estamos ou achamos que estamos perdidamente apaixonados é o outro que procura, por dissimulações e indiferenças, arrefecer esse fogo incontrolável que nos quer abrasar e cozinhar por dentro.
Essas questões martelavam ininterruptamente a cabeça de Frederico a partir do momento em que tomou a decisão de se separar de Cláudia. Ele já não tinha dúvidas de que o que sentia por ela no começo do relacionamento não era amor, o amor que ele sempre julgou real entre um homem e uma mulher. Frederico não sabe até hoje explicar o que fez ou deixou de fazer para aquela transformação de Cláudia tão evidente e desanimadora no decorrer dos primeiros sete anos de união. Aí é que vieram as dúvidas; se amava a mulher que escolheu para esposa ou se era fixado naquilo que ela apresentava de notável externamente: naquele corpo escultural da morena bronzeada de praia, nas formas perfeitas, na juventude vibrante e no fogo de mulher insaciável.
E será que ela o amava de fato? Ele acha que não mudou desde que se conheceram; ela sim, não era em nada a mesma mulher. Perdera todos os atrativos, na opinião e na visão de Frederico. Mas, por quê? Aí é que se encontra o x da questão. Ele não pensou a fim de encontrar uma resposta; separou-se mesmo, definitivamente. Certamente, não amava a esposa Cláudia, mas a linda e atraente namorada Cláudia de quase dez anos atrás; ou pelo menos ele julgava assim.
Mesmo depois de tantos anos de fidelidade ao lado de Cláudia Frederico sentiu como ainda gostava de um rostinho de mulher jovem, sedoso e atraente. Descobriu isto no novo bairro onde agora morava e ao passar todos os dias sob a janela de Alícia. Á princípio fazia-o forçado pelo trajeto diário que lhe encurtava a distância entre sua casa e o ponto de ônibus. Depois, a razão tornou-se outra. O sorriso de Alícia, sua beleza incomparável, sua juventude vendendo saúde. Frederico não mais resistia aos sorrisos que ela lhe dirigia ainda do outro lado da rua.
Em função disso ele passou a descer por ali, rente mesmo a sua janela. O sorriso simpático e um tanto malicioso, que já deixava-o atarantado, continuava. Depois vieram o bom dia! e o boa Tarde! cheios de entusiasmo; até que, numa tarde, em que a inspiração que buscava para se aproximar deu o seu da graça, ele encostou para puxar conversa.
- Parece que vamos ter uma noite bastante quente hoje, não acha? – disse depois dos cumprimentos formais.
- Sim! Você tem jeito de homem casado; será que acertei? Sabe como é, é preciso conhecer as pessoas. Além do mais, se mamãe descobre que estou dando atenção a um homem casado, é bronca na certa.
- Não! Pode ficar tranquila – disse Frederico com um enorme sorriso, quase ao ponto de soltar uma gargalhada. Ele não esperava uma frase daquele teor assim tão de cara, logo no começo da primeira conversação.
Não poderia haver quebra de gelo maior do que a conversa que trocaram naquele primeiro dia em que se falaram. Frederico encantou-se de vez com a moça. A aproximação, o olho no olho e a contemplação daquela beleza exuberante de Alícia só serviram para confirmar a sua predileção amorosa. Ela falava um bocado; parece que tinha essa necessidade. Disse que saía pouco, inventou uns motivos e ele nada se importou com isso; queria mesmo olhar para ela, imaginar-se beijando aqueles lábios carnudos e acariciando aqueles cabelos pretos e macios que lhe desciam até abaixo dos ombros.
- Desculpa! Tenho que entrar; mamãe me chama. – Abaixou-se um pouco de onde estava e cerrou a janela contra o rosto ainda embevecido de Frederico.
A paixão pegara-o de novo. E mais uma vez aquelas questões do que vem a ser o amor começaram a martelar a mente de Frederico daquele dia em diante. “Por que apaixonado; o que vi em Alícia?”, perguntava-se com frequência; e não conseguia atinar com as respostas. Será que, mais uma vez, um rosto encantador, a suposição de um corpo perfeito por trás daquela fisionomia é que lhe despertavam esse ‘amor’?
Passou a contar as horas e os minutos para, mais uma vez trilhar aquele encantado percurso e juntar-se a Alícia para muitas conversas regadas a declarações de um e promessas do outro. Só não houve beijos e afagos de rosto dada a distância entre a janela e a calçada, mas não faltaram mãos que se acariciavam sofregamente.
- Quando vai poder sair para que possamos dar um passeio? – era sempre a pergunta de Frederico.
- Espera que mamãe saia e me deixe sozinha. Não demora; ela tem compromisso esta semana. Aí podemos andar um pouco na praça do outro lado. Importa-se em me levar até à praça?
- É tudo o que e eu mais quero!
- Mesmo? Não vai querer mudar de ideia?
- E por que o faria? Sua companhia é só o que me tem alegrado ultimamente.
- Está bem, então. Espere só mais alguns dias.
Chegou finalmente a hora em que Frederico teria sua adorada bem pertinho de si; para beijar, abraçar e curtir uma companhia de fato. O que poderia haver de mais bonito e agradável? Ele chegou preparado, com uma roupa esporte elegante, e cheirando a perfume suave e foi recebê-la na porta de saída da casa.
- Já estou descendo – disse Alícia ao surgir na janela.
- Ajude só um pouquinho com a porta – ela disse ainda de dentro.
Vendo girar a maçaneta e ouvindo-a, Frederico puxou para contemplar por inteiro a namorada. A palidez no rosto já branco do rapaz foi instantânea ao ver as muletas entre os braços de Alícia e essa, com dificuldade ganhar a calçada. O pezinho direito balançava-se solitariamente abaixo da perna fininha que se sobressaia do vestido estampado, mostrando por completo os efeitos de quem teve paralisia infantil.
- O que foi? Você ficou mudo de repente; e está tão pálido!
Frederico não respondeu. Não poderia, estava emudecido pela surpresa.
- Não disse que íamos à praça?
- Não; quer dizer ... sim! Sim... é claro que vamos à praça.
Foram para a praça, mais uma vez conversaram sobre os mais diversos assuntos. Alícia percebia que ele já não era o mesmo. Mas é claro que ela compreendia. Não é nada fácil; sentiu-se na situação do rapaz. Mas que diferença isto faz ao amor? Não ao amor cantado pelos poetas e pelos que dizem que amam e que entendem o que é o amor. As dúvidas de Frederico continuariam. Agora mesmo é que não buscaria respostas. Deixou Alícia em casa e tratou de mudar seu itinerário ao ir e voltar do trabalho. Nunca mais a procurou na janela. Definitivamente ele não amava Alícia. E Cláudia muito menos ainda.