Tentação ( parte LXX )
 
                                            ( continuação do capítulo anterior )
 
Silveira fez amizade com Martins e outros fazendeiros a quem acompanhou até a travessia do Rio Paraíba do Sul. Lá eles se separaram, uns foram em direção ao Arraial do Carmo e outros se debandaram por Porto Novo no ponto em que os pescadores vendiam cascudo, um peixe de rio que quase não tem espinhas, que se restringe à espinha central, próprio para frituras. Ele chegou na hora em que a mulher estava acabando de fritá-los. Cortou um limão galego, terminou  de temperá-los a seu gosto e ficou a saborear enquanto descansava da jornada. Se tivesse sorte, em boa marcha, ainda chegaria em casa naquela noite. 
Aquela viagem iria lhe render um bom lucro, todos os companheiros eram fazendeiros que tinham ido ao Rio de Janeiro  resolver pendências de demarcação de terras, como ele teve anteriormente e ficaram impressionados com a exposição de Silveira sobre o carneiro hidráulico e o arame farpado. Mais impressionados ainda ficaram quando Silveira lhes contou da sua viagem aos Estados Unidos, nenhum deles conhecia alguém que tivesse atravessado o Atlântico num paquete, aquele era um homem letrado e aventureiro, conforme eles o classificaram. Era só programar uma visita de Moacir  para fechar os pedidos. Agora ele estava concentrado em chegar logo, encontrar-se com Ana Luiza, abraçar-se a Manoel e Antonio João e se deliciar com as brincadeiras dos dois. Foi pensando neles que imaginou: 
- ( Será que Ana Luiza  engordou muito ? Como ela estará ? )
 
Gioconda estava se sentindo um peixe fora d'água no cortiço da Lapa. 
Quando foi lavar suas roupas no tanque coletivo, teve de esperar longos minutos enquanto as mulheres confidenciavam seus particulares umas com as outras, sem tocar nas roupas e ocupando o lugar onde ela queria se instalar. Seu gênio  italiano começou a deixá-la indignada, ter que esperar não fazia parte do seu planejamento.
- Doninha, por favor, querida, queria lavar minhas roupas também, me dê licença, chega um pouquinho só para lá... 
- A senhora quer esperar a sua vez, aqui todas esperamos...
- Mas a senhora não está lavando nada, só está a conversar, porque não conversa lá no cantinho e me deixa lavar a minha roupa?
- Quando eu sair a senhora se instala, e lava suas peças como quiser...
Gioconda foi empurrando a outra e instalando-se junto à bica, e a mulher se indignou:
- Quanta petulância, chegou ontem e já quer por as suas manguinhas de fora, espere lá a sua vez, italiana, ou vá se queixar ao seu negão!
Gioconda que não levava desaforo para casa, empurrou a mulher que caiu dentro do tanque e começou o bafafá.
- Sua piranha italiana!
- Che cazzo, porca troia! Porca miséria!  
- Porca não, sou muito limpa, eu não fico trepando com um negro...
- Maledeta!
- Não se aborreça não, dona Maria, não brigue com essa zinha...
- Isso mesmo, vamos deixar ela brigar sozinha, não vamos lhe dirigir a palavra...
Todas as outras se afastaram e deixaram Gioconda a resmungar sozinha, lavando sua roupa...
 
Depois da longa viagem, feita com o máximo de cuidado, transportaram Ana Luiza para o hospital. Era um  prédio de um só piso, com longo corredor todo revestido com azulejos  brancos, e as paredes laterais caiadas de um azul bem claro, onde exalava cheiro de desinfetante. Ela ficou instalada numa enfermaria onde tinham mais três enfermas, todas mulheres ainda jovens. 
Ana Luiza chegou consciente, mas levemente sonada pelos efeitos dos medicamentos que o doutor Darci lhe dera, logo que foi posta sobre a cama voltou a dormir.
O médico ficou de visitá-la no dia seguinte,  e a enfermeira informou à dona Augusta que ela não poderia ficar acompanhando a filha, teria que voltar no dia seguinte na hora das visitas.
A mãe ficou aborrecida com o que lhe foi dito, ela não queria se  separar da filha, mas teve que acatar o regulamento, teria que voltar só entre as duas e quatro horas da tarde.
Ela e o senhor Adalberto, todos muito contrariados,  tiveram que se instalar numa hospedaria, mas se conformaram e no final acharam que assim seria melhor para Ana Luiza, que também teria que seguir os rigores dos horários dos remédios e não poderia se furtar a não tomá-los como fazia em casa quando achava que estava melhorando...
                                                                              ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 03/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4271702
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