Tentação ( parte LXIX )
 
                                    ( continuação do capítulo anterior )
 
 
Silveira retornava numa manhã de domingo de muito sol e enquanto cavalgava junto aos Arcos da Lapa, as famílias de mãos dadas aos filhos,  seguiam em direção à Praia das Virtudes. Ele pensou:
- ( É isso que faz a vida ser mais bonita, os pais de mãos dadas com os filhos, vendo-os crescer... É esse o projeto de vida que quero, participar do desenvolvimento deles na fazenda, junto com a natureza, os animais, a vida ao ar livre, colhendo frutas nas árvores...).
Seguia pela orla acompanhando o movimento repetitivo das ondas na areia, nas rochas, até que se desviou das praias e seguiu em direção à serra.
No caminho encontrou um grupo de senhores que cavalgavam na mesma direção, ele emparelhou seu animal e entabulou conversação, assim a viagem seria menos monótona. 
- Olá companheiro, estamos pegando a estrada meio tarde, pois não?
- Nem sempre sai como se programa, não é? Queríamos sair de madrugada mas apareceram problemas de última hora para serem resolvidos... 
- No meu caso, disse Silveira, é que fui dormir muito tarde, e tem que se iniciar a viagem descansado.
- Com certeza, para onde o senhor vai?
- Para a divisa entre Minas e o Estado do Rio, junto ao Rio Pirapetinga...
-   Então vamos caminhar juntos durante bastante tempo, vamos para Porto Novo...Qual é mesmo o seu nome?
- Silveira, e o seu?
- Martins.
Estenderam as mãos e se cumprimentaram, dizendo em uníssono: Muito prazer!
Martins tratou de apresentá-lo aos demais viajantes e enquanto cada um dizia seu respectivo nome, Silveira repetia o seu, acrescentando, muito prazer!
No decorrer da viagem Silveira lhes contou o que se passou na sua ida para o Rio de Janeiro quando pernoitaram num curral da casa de um doente mental e na hospedaria na casa dos italianos e foram dando gargalhadas e contando cada um as suas estórias, até ao ponto em que se tocou em abolição da escravatura. Martins lhe disse:
- Meu amigo Silveira, se vier a abolição, eu lhe digo, cairá todo o gabinete, e talvez seja o estopim para se instalar a república... 
- Do jeito que nessa nossa terra o povo gosta de  copiar as experiências dos estrangeiros, não fico admirado disto acontecer...  Acrescentou um outro.
Silveira acrescentou:
- Não é uma ideia remota, senhor Martins, mas a verdade é que o governo está numa sinuca de bico, se não abolirem a escravidão, terão de enfrentar o boicote comercial dos ingleses, franceses e americanos, os donos do mundo, e se fizerem a abolição os grandes fazendeiros sofrerão um baque financeiro...
- E sem sustentação dos senhores de engenho e dos plantadores de café, o governo cairá... Afinal, o senhor é partidário da abolição ou é contra ela?
 
 
- Não adianta se lutar contra a maré, senhor Martins, embora tenha escravos, sou um abolicionista.
- Isso não é uma incoerência, senhor Silveira ? Eu pelo menos  sou abolicionista mas não tenho escravos, sou um pequeno proprietário...
- É uma incoerência que muito me incomoda, senhor Martins, mas não são os incomodados  que se mexem?
 
Moacir chegou ao Rio de Janeiro com Gioconda. Ela olhava para os casarios, os prédios públicos, com a admiração de quem nunca tinha saído do vale da Curva da Ferradura. Estava fascinada, era a vida que sempre almejara, tinha escapado daquela vida maldita de diariamente ter de lavar penicos, encher tinas e ouvir piadinhas de hóspedes mal cheirosos.
Pelo menos Moacir se vestia bem e ela não se incomodava com a sua cor, ele era um negro de bons hábitos, falava bem, era muito bom de cama e não era igual aos negros escravos da sua região que mal sabiam falar e fediam...
Instalaram-se num cortiço na Lapa, uma porta coladinha à outra, de quarto, sala e cozinha. O banheiro era coletivo, três banheiros com fossa para quinze casas. Três bicas coletivas, a água vinha diretamente do Aqueduto dos Arcos, um luxo. Agora seria vida nova! 
                                                                           ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 02/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4270067
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