A PRIMEIRA VEZ


A Sandra ficou na minha memória porque foi a mulher que efetivamente me tirou a virgindade. Era mais velha do que eu, na altura teria vinte e cinco ou vinte e seis anos, era casada e tinha uma filha ainda de tenra idade. O marido estava emigrado na Bélgica e vinha cá de tempos a tempos.
Na altura, eu estava a trabalhar no Banco Borges e Irmão apenas há alguns meses, continuava em casa dos meus pais, ganhava razoavelmente para a idade que tinha, o horário não era mau e ainda sobrava tempo  para cursar  à noite Economia e Gestão.
O único problema era ter de andar sempre de fato e gravata, era para mim um suplício, sobretudo de Verão, com o calor.
Conheci-a no café Vavá, em Maio de 1972, o mês do seu aniversário. Eu costumava apanhar o Metro e ir até  ao Apolo 70, ou ao Galeto. A par do café Nacional, na Baixa, eram os cafés da moda na altura.
Era magro e tinha boa figura, por isso deve ter ficado bem impressionada comigo. Ela era bastante elegante, esguia, um mais baixa que eu e de cabelo castanho escuro, comprido, que lhe emoldurava as feições atraentes. Também recordo que vestia com simplicidade e muito bom gosto.
Foi ela que pegou conversa, a propósito nem sei de quê. Na altura eu fumava, mas não muito, dois ou três cigarros por dia. Talvez tenha sido por causa do isqueiro, pediu-me lume, não me recordo bem. Sei que começámos a falar, eu pedi licença para me sentar na sua mesa. Acabámos por nos encontrar noutras ocasiões, de forma aparentemente fortuita – confesso que da minha parte houve sempre a intenção deliberada de a encontrar e possivelmente o mesmo aconteceu com ela – dava-lhe um beijinho na face e sentava-me junto a ela.
Conversávamos sobre vários temas. Quase sempre levava o jornal ou uma revista debaixo do braço e punha-me a falar sobre as manchetes do dia. Para a impressionar, abordava temas de ciência e cultura em geral, preparava-me previamente sobre determinados assuntos e depois iniciava longas dissertações, pretensamente eruditas, com o intuito de a impressionar. E conseguia o efeito desejado, pelo menos assim parecia, ela mostrava-se muito interessada nas minhas teorias.
Um dia convidei-a para ir ao cinema, ela hesitou mas acabou por aceitar. Talvez vacilasse no passo que iria dar, nos riscos que iria correr dada a sua posição – era casada e mãe – mas acabou por assumir o desafio. Assim, fomos ao Apolo 70, inaugurado há menos de um ano, ver o filme “Lágrimas e Suspiros”, de Ingmar Bergman. Ela emocionou-se muito ao longo da projeção, deu-me a mão, apertando-ma com força. Então decidi-me a beijá-la, à espera dum tabefe, virei-lhe o rosto para mim, olhei-a fixamente nos olhos e colei suavemente os meus lábios nos dela. Para minha surpresa correspondeu com grande intensidade, com algumas lágrimas a correr-lhe pela cara.
Depois fomos comer um gelado no snack-bar da cave, sentou-se em frente a mim, com as pernas tocando as minhas.
Como ambos gostávamos muito de cinema, vimos vários filmes juntos, havendo da minha parte a preocupação em fazer boas escolhas, de qualidade comprovada pela crítica especializada.
Durante a projeção estávamos sempre de mão dada, muito juntinhos, por vezes trocávamos breves e furtivos beijos.
Ela apreciava muito a minha companhia. Gostava mesmo de mim.
Nunca pensei no futuro, apenas vivia os momentos em que estava com ela. Sentia-me feliz.
Até que um dia aconteceu…
A filha costumava ficar durante o dia em casa da tia, enquanto a mãe ia trabalhar numa companhia de seguros, que ficava na Baixa e distava seis paragens de Metro da casa dela.
Depois do trabalho encontrei-me discretamente com ela, fomos até à estação e a intenção era ir mais uma vez ao cinema. No entanto, dessa vez ficou estática à minha frente, olhou-me fixamente nos olhos, acariciou-me o rosto e perguntou-me: - Queres ir a minha casa?
O meu coração desatou a bater como um cavalo partindo à desfilada, quase que me saía da caixa torácica. A adrenalina deixou-me sem folego e sem palavras. Por fim, olhei-a ternamente, segurei-lhe a mão, beijei-lha o mais suavemente que pude e acenei que sim com a cabeça. O meu olhar foi um agradecimento mudo, terno e húmido de emoção.
Entrámos rapidamente numa carruagem e à saída, a poucos metros da porta do prédio onde morava, esperei alguns minutos antes de subir, muito discretamente, com receio de me cruzar com alguém. Cheguei ao patamar e ela entreabriu a porta rapidamente, tendo-me esgueirado para o interior. Caímos nos braços um do outro e caminhámos não para o quarto mas para a casa de banho, tirando a roupa de forma arrebatada e espalhando-a pelo caminho. Tomámos duche juntos, numa orgia de água, espuma e paixão, que depois teve continuidade na cama dela, ainda meio molhados. Foram duas horas que jamais esquecerei. Nunca dei pelo tempo passar tão depressa. Quem me dera então que o relógio parasse a sua marcha inexorável…
Ao contrário do que habitualmente se diz, considero que essa primeira vez, na realidade a primeira que estive integralmente com uma mulher, foi para ambos inesquecível.
Tornámo-nos amantes apaixonados e encontrávamo-nos com frequência em casa dela, quase sempre ao fim da tarde, antes de ir buscar a filha. Então amávamo-nos sofregamente, como se o mundo fosse acabar.
Foi uma mulher muito importante na minha vida, por tudo o que me transmitiu, pela graça, pela ternura, pela felicidade que me fez sentir.
Em muitos fins de tarde fumávamos, os dois estendidos na cama, nus, conversando despreocupados, rindo das minhas pilhérias como adolescentes sem consciência. As nossas conversas acabavam quase sempre com o entrelaçar dos meus dedos nos dela e assim, fundíamo-nos num só, beijando-nos e deixando que uma corrente de luz fluísse no nosso olhar.
Ela era um poço de ternura, um corpo que transpirava delicadeza e uma rara sensualidade, atraindo-me pela suavidade das suas proporções, pelos seus gestos e também pela sua elegância, até nos momentos mais íntimos. Globalmente, era muito bonita, por dentro e por fora.
De todas as mulheres com quem tive intimidade, foi a única que nunca motivou uma só discussão, por pequena que fosse. Era extremamente educada e a sua perda para mim foi na altura quase irreparável.
Um dia desapareceu, pura e simplesmente. Como deixasse de a encontrar e de me responder aos telefonemas, disfarçadamente, contactei com o serviço dela e disseram-me que tinha pedido transferência para o Porto. Não tive  " lata"  para inquirir mais alguma coisa junto da vizinhança, no fim de contas ela era casada e ainda lhe podia criar problemas. Acobardei-me. Mas tive desde logo a certeza que quer o marido quer a irmã tiveram algo a ver com a mudança de residência. Desejei ardentemente que ela não tivesse tido problemas por minha causa.
Demorei bastante a restabelecer-me da perda, nunca a esqueci.