Tentação ( parte LXII )
                           ( continuação do capítulo anterior )
 
Naquela noite  Eugênio teve um pesadelo, acordou na alta madrugada todo suado, trêmulo e dona Hortênsia, preocupada, lhe perguntou:
- O que aconteceu com o senhor, está tremendo mas não está febril...
- Tive um pesadelo, dona Hortênsia, eu estava preso naquele poste junto ao curral, onde se amarram os touros para castrá-los, e os negros, todos à minha volta gritavam:
- Castra, castra, castra!
- Deus meu, que coisa horrível, lamentou Hortênsia.
- Enquanto os negros gritavam, os negrinhos catavam gravetos e palhas que acumulavam junto aos meus pés. E um deles, aquele moleque atrevido, filho da Etelvina, sabe quem é? Um antipático que não gosto dele...
- O Etelmar?
- Esse mesmo, veio com uma acha acesa e ateou fogo na palha. Senti o calor queimando os meus pés, foi quando felizmente acordei.
- Eu já lhe falei, senhor Eugênio, o senhor não me ouve, faz uma oração antes de dormir, o padre... 
Eugênio interrompeu Hortênsia, não deixou que ela completasse o que ia dizer:
- Deixe de carolice, mulher, é só um pesadelo... Amanhã cedo tudo passa...

Mas não passou... Eugênio ficou durante todo o dia com aquela impressão de como se fosse um aviso, como se algo de ruim estivesse para acontecer, e ele tivera dois prenúncios, o primeiro através de Silveira que viera lhe dar um recado, e o segundo pelo pesadelo.
Durante a tardinha, os negros comemoraram o final do corte da cana, com danças e cantos. Era para se festejar realmente, porque durante a temporada do corte da cana não tinham havido  acidentes, nenhum escravo havia se cortado, mutilado ou machucado com os facões e foices.
Eles dançavam o Mineiro Pau, em que fileiras de negros com os dorsos nus, batiam com o porrete no porrete do negro da fileira oposta, fazendo um barulho cadenciado que acompanhava o ritmo do canto.  Ora batiam em baixo, ora no alto.
Eugênio apreciava o movimento, a dança e a música, quando cruzou o seu olhar com o de Etelmar, que naquele momento desferiu uma forte cacetada no cacete do outro que dançava à sua frente. Era um olhar frio e de ódio, como se a cacetada fosse dirigida para Eugênio. O sangue do senhor gelou e ele imediatamente dirigiu o seu olhar para as escravas que batiam palmas e cantavam ditando o ritmo da música. 
Eugênio saiu e foi se recolher, para ele a festa tinha acabado naquele momento.
 
Silveira quis saber de Moacir, com todos os detalhes, como estavam correndo as coisas na Importadora Vitória, se os pagamentos devidos aos belgas estavam em dia, se já haviam começado a remeter os pagamentos dos americanos, se o novo empregado, Jerônimo, estava correspondendo, se era pontual ou faltoso, se o antigo sócio havia ido lá alguma vez, se havia material no estoque suficiente para atender aos pedidos, fez um questionário completo e disse para ele que gostaria de ir até lá para acompanhar de perto, pelo menos por uma semana, e que aproveitaria a sua companhia para irem juntos.  Então pediu-lhe que adiasse a sua ida para mais dois dias porque assim ele iria até a Fazenda das Pedras se despedir de Ana Luiza. E assim ficou combinado. 
Depois do almoço mandou chamar Jurandir no escritório e relatou-lhe parte da conversa que teve com o senhor Eugênio e o que tinham resolvido. 
- Agora, Jurandir, você tem de apresentar a moça para a sua família e marcar a data do casamento.
Jurandir, com seu jeito encabulado de ser, deu um sorriso meio sem graça e disse:
- Vou marcar a vinda dela aqui, mas só vou avisar à noite, do dia anterior, para que não fiquem debochando de mim...
- Quando eles virem a Sinhá, vão ficar encantados com a sua beleza e simpatia, você é um rapaz de muito bom gosto e sorte, Jurandir.
Novamente ele fez aquele sorriso encabulado...
 
Ainda naquela mesma tarde Silveira mandou arriar seu cavalo e foi para a Fazenda das Pedras, queria voltar no dia seguinte para preparar a sua roupa e bagagem para passar uma semana no Rio de Janeiro.
- Senhor meu marido, que surpresa boa, eu não o esperava hoje.
 - Adiantei minha vinda porque o Moacir está lá na fazenda e vai voltar depois de amanhã para o Rio, e eu resolvi ir com ele, quero saber como andam os negócios, para não ser pego de surpresa como da outra vez. Afinal, o boi só engorda diante dos olhos do dono, não é verdade?
- Acho mesmo que o senhor tem de ir, porque tudo está nas mãos dos escravos, mas a responsabilidade continua sendo do senhor.
- É nossa, minha mulher, os nossos bens é que estão em jogo...
Durante todo o dia Silveira ficou à disposição de Ana Luiza, fazendo todas as suas vontades, tentando perceber  os movimentos do neném, avaliando o tamanho da barriga dela, tentando adivinhar se seria outro menino ou uma menina...
- Vou pedir ao Jurandir para vir aqui lhe apresentar a Sinhá Moça, sua namorada, e trazer Maria Rosa e as crianças. Eles ficarão para passar a semana com você e Jurandir retorna com a Sinhá. 
- Jurandir tem namorada?
- E vai se casar... Haverá festa na fazenda do senhor Eugênio, eu prometi dar um garrote para o churrasco. E tem mais, já acertei com o senhor Eugênio que a Sinhá vai morar na nossa senzala...
- Que bom, e o que você achou dela?
- Uma negrinha bonita, falante, com lindos olhos e dentes brilhantes. Ele soube escolher...
- Que bom que as crianças virão com a Maria Rosa, assim tenho o carinho dos pequenos e com quem conversar. Gosto muito da Maria Rosa e os garotos gostam muito dela também...
                                                                         ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 25/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4258309
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