Tentação ( parte LXI )
 
                                   (continuação do capítulo anterior )
 
 
Às cinco horas da manhã o galo cantou, a vaca mugiu e Silveira levantou-se. Maria Rosa já tinha saído e ele não vira, enquanto fazia a sua higiene, repassava o que tinha a fazer. Queria sair com Jurandir e Machadão para encontrar uma área para expandir a sua plantação de milho, a  meta era aproveitar ao máximo a capacidade produtiva do moinho, vender fubá em vez de milho. Queria ver o desenvolvimento das bananeiras e mamoeiros, porque as mangueiras ainda teriam mais três anos pela frente para produzir.
Tomava o café quando chegou  Jurandir, como estavam somente os dois, Silveira perguntou:
- Como está a menina Sinhá Moça?
- Foi bom perguntar, senhor Silveira, ainda ontem estive com ela e comentamos sobre um incidente que houve comigo e mais um rapaz lá da fazenda do senhor Eugênio, o que me deixou muito preocupado.
- Mas o que houve de tão grave?
Jurandir lhe relatou sobre o ocorrido com todos os detalhes, lhe falou da sua preocupação por ter de morar lá e de conviver com um desafeto, do número de viciados que existem naquela fazenda e na preocupação de que tem de lhe armarem uma emboscada.
Silveira achou procedente a sua preocupação, que realmente havia motivos para ele se precaver porque uma pessoa que é viciada, tendo sido humilhada publicamente, provavelmente iria procurar uma desforra.
A visão das mulheres é diferente, e não vêem o perigo que está ali na frente delas...
- Vou analisar bem essa situação e verei como faremos, Jurandir.
Moacir se incorporou ao grupo para fazer a visita às plantações e quis saber detalhes da montagem do moinho e como ele funcionava, ficando entusiasmado ao ver a roda girando...
 
Ubiratan foi com a Condessa da Piedade a uma reunião dos abolicionistas e levaram mais um adepto da causa, apresentaram-no ao Barão de Cotegipe e à João Alfredo para que ele levasse outros correligionários da sua região para as próximas reuniões. 
O Barão de Cotegipe, após o encontro chamou Ubiratan à parte  e convidou-o para participar de um movimento que era o pano de fundo do abolicionismo.
- Que movimento é esse tão misterioso, a Condessa faz parte dele, Barão?
- Não, meu amigo, esse movimento é vedado às mulheres, é a maçonaria...
- Barão, só poderei fazer parte da maçonaria se meu senhor permitir.
- O senhor é um escravo e participa do abolicionismo?
Então, meu amigo, quero conhecer o seu senhor e convidá-lo pessoalmente  para participar, tanto do abolicionismo como da maçonaria. Vocês dois serão meus futuros afilhados. Faça o favor de me apresentar ao seu senhor.
- Será com o maior prazer, quando ele voltar da fazenda e chegar ao Rio, eu lhe apresento, excelência.
- Por favor, deixe de formalidades, daqui para a frente seremos simplesmente irmãos. Mas afinal, quem é o seu senhor? 
- É o senhor Silveira, dono da Importadora Vitória de materiais agrícolas e de uma fazenda em Minas Gerais.
- Pois o senhor Silveira será um novo irmão maçônico e um emérito abolicionista junto conosco...
 
À tarde Silveira mandou selar o seu melhor cavalo e partiu para a fazenda do senhor Eugênio, queria conversar com ele sobre os últimos acontecimentos políticos, saber sua opinião sobre a escravatura, já que ele tinha uma numerosa quantidade de escravos. 
Ele foi recebido na sala, mas preferiram ficar na varanda porque o calor estava muito forte, durante o dia o sol abrasador e a falta de vento trouxeram aquela canícula que os fazia suar por todos os poros.
- Meu amigo Silveira, que notícias me trás da senhora Don'Ana?  
- Ela ainda está na Fazenda das Pedras sob os cuidados do doutor Darci, que faz um controle da sua pressão, não pode comer comidas com sal e está proibida de fazer esforços, mas aparentemente está bem, já está barrigudinha, com a prenhes à mostra...
- Ela tem que se cuidar, vizinho...
- É verdade... Mas senhor Eugênio, o que me trás aqui, é para lhe relatar sobre a minha viagem ao Rio de Janeiro, fui tratar de negócios, mas aproveitei a minha ida para visitar aquele meu amigo, o Ministro Miguel du Pin, se lembra, o que nos ajudou na legalização cartorial das nossas terras?
- Ora se lembro, ele foi muito gentil e somos muito gratos à ele e ao senhor...
- Pois é, senhor Eugênio, ele me disse que não há como segurar politicamente o movimento abolicionista, há pressões externas dos americanos, ingleses e franceses, que fizeram veladas insinuações de boicotes comerciais se o Brasil não abolir a escravatura... A lei do Ventre Livre criou uma geração de jovens legalmente livres mas que continuam de fato como escravos, aqueles que são denominados ingênuos, que o senhor deve ter muitos aqui na fazenda, não é verdade?
O interlocutor assentiu com um movimento de cabeça e Silveira continuou:
- O que mais me preocupa, senhor Eugênio, é que os escravos não estão passivos, eles comentam isso que estamos  falando, dentro das senzalas, estão se movimentando, e não será nenhuma surpresa para mim, se, com a passividade que temos em cumprir as leis, eles queiram fazer as leis com as próprias mãos, e surja um movimento negro, à moda de um Ku Klux Klan, invertido, em que os negros julguem e metam fogo em seus senhores...
- Cruz credo, Silveira! Vira essa boca para lá...
-  É por isso que quero ouvir a sua opinião.
- Silveira, eu procuro tratar meus escravos com justiça, mas há de convir, que para controlar esse batalhão de gente, que tem pessoas de todas as índoles, tem que se ser severo e muitas vezes duro. Por isso acredito que se houver uma revolta organizada como você acredita possa haver, pelo exemplo inverso ao americano, eu serei um dos primeiros a ser queimados...
- Pois é, quando a coisa é inevitável, o mais prudente é se aderir a ela...
- Eu me tornar abolicionista? Nem pensar, amigo... Será a decretação da minha falência, como vou pagar a toda essa gente pelo trabalho que fazem? 
- Isso também conversei com o Ministro Miguel e ele me afirmou que o governo já pensa em fazer desonerações de impostos para enfrentar os problemas financeiros que advirão com a abolição, que ele acredita ser inexorável... Olha que ele também é fazendeiro... Tudo isso estou lhe trazendo para que pense com seriedade no assunto... Mas...
- Mas o que vizinho?
-  Lembra-se do Jurandir, que namora a menina Sinhá Moça?
- Como poderia me esquecer dele?
- Aconteceu com ele um fato que muito me preocupou... 
E contou ao senhor Eugênio, em detalhes, o incidente e a preocupação do rapaz. E lhe perguntou:
- Em caso do casamento deles, você permite que Sinhá Moça possa morar em minha senzala e continue sendo sua escrava? Acredito que assim nós evitemos uma tragédia premeditada...
- Isso eu concedo, mais como um prêmio aos pais dela, que sempre me serviram muito bem.
Os dois se abraçaram e Silveira lhe disse:
- Agora temos que decidir onde será o casamento...
Aqui na minha fazenda, disso não abro mão, Silveira, mandarei matar um garrote...
- Está certo, mas o garrote sou eu  quem darei!
- Combinado!
                                              ( continua no próximo capítulo )
 
elzio
Enviado por elzio em 24/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4256657
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