Talvez a afortunada realidade esteja escondida atrás de lugares solitários e pingos de chuva...

Os passos calmos e sem rumo guiavam a garota. O lugar final não a agradou muito, traziam-lhe lembranças assustadoras a mente. Momentos tristes, que ela muito lutava para esquecer. O tempo frio não lhe ajudava. Ela costumava dizer que o dia sempre estava de acordo com o seu humor - o que, é claro, não era bem a verdade - e tempo frio era a sua definição para tristeza

Ela porém, tentou não ligar, sabia que um dia havia de superar.

Apoiou os cotovelos no joelho, podendo assim apoiar o rosto sobre as mãos. Meio que sem querer olhou para o lado, onde a figura do animal que mais gostava, uma águia, era vista desenhada ao chão. Havia sido obra dela, e jamais conseguira conter o sorriso nos lábios ao vê-la. Havia sido o primeiro desenho de tantas telas que agora espalhavam-se por seu quarto.

Fechou os olhos e deixou que a mente vagasse, tentando não incomodar-se com o frio que ainda a tomava, mesmo que tivesse se agasalhado bem, de acordo com o recomendado.

Voltara ao dia em que decidira que os rabiscos de caderno deveriam ser mostrados. Estava correndo junto a Lanna, sua melhor amiga, e trazia os pincéis e tinta junto a ela. Logo era assistida por crianças e adolescentes, enquanto pintava não só o chão da quadra mas também a sí mesma. Vira a algazarra que se seguira e ele, parte de que não queria lembrar-lhe, mas tudo pareceu bem real no momento em que ouviu sua voz e que sentiu um alguém lhe tocar o ombro.

ㅤ ㅤ ㅤManteve os olhos fechados, para ter a certeza de que não viera de seus pensamentos, já não podia mais aguentar as recaídas.

- Lily? - Tornou a soar a voz conhecida que já lhe havia furtado de seus devaneios.

Abriu vagarosamente os olhos, até que decidiu levantar a cabeça e fitar o jovem. Tentou, mas não sabia bem se havia conseguido, parecer indiferente àquele ser.

- Sim? - A voz falhara, ela bem o sabia, ainda era impossível reprimir-se ao que sentia.

- Não está frio demais para que qualquer pessoa normal esteja aqui fora?

Deu de ombros e demorou a responder, talvez assim ele lhe desse as costas e se fosse.

ㅤ ㅤ ㅤele, por sua vez, apenas esperou, desapontando-a ao sentar a seu lado em uma pose paciente.

- Você está aqui, não? - Decidiu, por fim, responder.

ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ- Eu tenho lá alguma dose de insanidade.

Ele sorriu. Sorriso este que ela não era capaz de retribuir. Bem, capaz talvez até fosse, mas sabia que não deveria. Aquele que agora mostrava-lhe algum sinal de felicidade já a fizera sofrer. Decidiu que o melhor seria ignorar. Tornou a encostar a cabeça sobre as mãos e a mirar o desenho, na direção oposta ao rapaz.

- É um belo desenho. - Disse ele, trazendo-lhe um novo assunto.

- Me trás boas lembranças... Apesar de tudo. Apenas deixo pra lá o que aconteceu depois.

O rapaz engoliu seco, conhecia bem o culpado pelo o que ela queria esquecer.

- Fui um idiota, não fui? - Ele encostou em seu rosto, fazendo com que esta virasse em sua direção.

- Para mim, continua o mesmo. - Disse, sem conseguir conter a lágrima que escorrera por seu rosto.

- Eu mudei, não? Estou sempre a seu lado, estou aqui agora.

- Agora? É verdade. - Não continha-se mais, as lágrimas já rolavam como loucas. - Por que isso, arrependimento?

-Não, eu só... Quero estar com você.

As palavras saíam sozinhas, esforço não fazia-se necessário. Sabia que, pela primeira vez, ele estava de frente com o que há muito ele dizia não existir, pela primeira vez ele sabia o que era senti-lo. E também era a sua primeira vez sendo desprezado, desprezado por ela, pessoa a quem ele fez sofrer graças ao que agora ele sentia. Estendeu-lhe a mão, ela continuou onde estava. Ele lhe pediu, ela o negou. ele se aproximou um pouco mais e ela lhe deu as costas. Ele derramava lágrimas que antes eram dela. Ele lhe implorou, ela protestou.

- Isso é a solidão! - Atirou contra ele, na certeza de que tudo era por que ele não conseguia mais viver sozinho.

- Não, isso é amor! - Ele não percebeu, mas estava quase gritando.

Sua respiração acelerou, a dela também. Seu coração estava em descompasso, assim como o dela. Ele sentiu e, por algum motivo, ela sorriu. Sempre dissera a todos que nada seguia-se sem uma chance, e achava que esta devia estar presente agora.

Ela o olhou no olhos, o sorriso dela copiou-se nos lábios dele, e ambos selaram com um beijo a repentina felicidade.

- E isso se chama reciprocidade. - Ela disse, ao fim.

Deram as mãos, e por um momento o local tornou a estar em silencio, como se não houvesse mais nem mesmo um único ser ali, mesmo havendo algo de diferente no ar. Então ela falou, ao observar o céu e as grossas nuvens que começavam a se formar:

- A chuva vem aí, é melhor irmos pra casa.

Ele sorriu e assentiu, ambos levantaram-se e afastaram, sumiam ao longe. Ao que ela olhou para trás, o velho pátio já não lhe parecia tão solitário. Era agora, o cenário perfeito. Era como se as arvores se armassem e os flocos trouxessem consigo um sorriso maroto.

Ela sorriu e aconchegou-se ao outro.

Fora a partir daí que seu conceito para tempos frios havia mudado.

Jny
Enviado por Jny em 23/04/2013
Reeditado em 23/04/2013
Código do texto: T4254708
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.