AMOR DE PEDRA
Se te possuir em sonhos, és minha; pois não há prazer que não seja representado.(John Donne)
A musa de pedra. Mulher de pedra. Parada na praça há tanto tempo. Certamente o seu coração também era de pedra. Pensei em amá-la, me apaixonar. Como amar uma mulher forte como a pedra, dura como a pedra? Nem meus beijos, olhares e suspiros tornariam a pedra em mulher. Sempre ali, observando tudo, observando meus passos. Algumas vezes pensei que ela me amava, quando nossos olhares se cruzavam. Engano meu, mulher de pedra não ama, apenas é pedra. Por muitas vezes minha única companhia. Falava com ela, ela não me respondia nem correspondia. Pensei que um dia ela sairia do seu lugar e falaria comigo. Ela ficava ali, sozinha no meio de tantas pessoas que passavam. Eu também ficava ali, sozinho no meio de tantas pessoas que passavam. Eu era como ela, um homem de pedra. As pessoas se acostumaram com ela, nem a notavam mais. Acostumaram-se comigo, nem me notavam mais. Uma mulher de pedra, um homem de pedra, um amor de pedra. Da pedra, só a frieza, a insensibilidade, a indiferença. Mulher de pedra, amor de pedra. Os contornos estonteantes de seus quadris, habilmente fabricados, meu abismo. Seus seios altivos me chamavam. Sua cintura fina, terminando nos glúteos arredondados e perfeitos, meu desejo. As suas coxas fortes e torneadas desciam para os pés descalços e belos. Se ela sorrisse, seu sorriso seria um encanto. Seus lábios, sensuais. Seu nariz, altivo. Seus olhos, amendoados. Nua. E amou daquela vez como se fosse máquina. Eu a vi nua. Tirésias, por ver Palas Atena nua, ficou cego. Por compaixão Atena permitiu-lhe ver o futuro. Eu a vi nua. Eu perdi a visão, me tornei cego. Não vejo o passado, nem o futuro, apenas vejo; um presente insólito. Seus braços delgados e fortes sustentavam o cântaro nos ombros que, generosamente, me dava de beber. Embriaguei-me dela, meu desejo, minha paixão, meu sofrimento e dor. Seu olhar, contemplação. Seu corpo, sedução. Seu amor, fascinação. Mas ela é de pedra. Bela como a Carmem, fria como a Carmem. Ela é de pedra.
( Extraído do meu romance: Fé sem memória)