Tentação ( parte LVIII )
( continuação do capítulo anterior )
Um comboio composto de dez carroças, atreladas a dois burros cada uma, saiu do porto do Rio de Janeiro em direção à Petrópolis. Cada carroça estava carregada com dezoito bobinas de arame farpado, a última novidade inventada pelos americanos para cercar grandes áreas, capazes de evitar a evasão dos animais das fazendas.
Além desse primeiro comboio ainda estavam previstas as saídas de mais dois comboios, um a cada semana.
Atrás do comboio, seguiam outros vinte animais, atrelados dois a dois, para que fossem efetuadas as trocas quando os primeiros estivessem cansados. Capitaneando o comboio, na frente, seguia Moacir.
Moacir acreditava que aquele era o primeiro de uma série de pedidos de compra desse material. O carregamento seria para cercar uma fazenda, mas serviria de teste para outros pedidos que certamente viriam.
Quando estavam no meio da serra quebrou-se o varal de uma das carroças, o carro desequilibrou-se , adernou, e parte da carga foi ao chão. Como era uma das primeiras carroças todas as outras tiveram de parar e aproveitou-se para serem feitas as trocas dos animais. Felizmente Moacir tinha trazido pregos e martelos e conseguiu-se consertar o varal da carroça.
Quando passaram por uma fazenda dividida em cerca viva por pau d'arco, Moacir comentou para um dos carroceiros:
- Esse material vai baratear muito em relação às cercas vivas... Quanto tempo deve demorar para uma árvore dessas crescer?
- Talvez de cinco a sete anos... Essas que estão lá devem ter mais de trinta anos...
- Esse argumento para nós será um grande trunfo para as vendas...
Silveira estava visivelmente cansado depois da semana extenuante , mas quando terminou o almoço, resistiu ao sono e à vontade de se deitar, e foi dar atenção à sua mulher e aos filhos.
Manoel que pegara seixos arredondados na beira do regato, insistiu em brincar com o pai, rolando a pedra no assoalho de pinho de Riga do salão da fazenda e deliciava-se com o barulho provocado. Ana Luiza prevendo que a brincadeira pudesse arranhar o assoalho que era encerado, e coberto com tapetes preciosos, e por isso mesmo sempre objeto de cuidados de dona Augusta, chamou a atenção dos dois:
- Aqui não é lugar para brincar com pedrinhas, Manoel... Senhor Silveira, por favor, vá brincar com ele na varanda...
Os dois obedeceram sob olhares aliviados de dona Augusta, mas Silveira ponderou em pensamento, lá em casa não necessitamos de coibir essas brincadeiras das crianças...
Depois de brincar com Manoel e Antonio João, quando imaginou que finalmente teria a liberdade de ir descansar, e poder conversar a sós com Ana Luiza, chegou o senhor Adalberto que sentou-se ao seu lado e danou a falar sobre as manchetes dos jornais que tinha recebido da capital e que faziam proselitismo da abolição da escravatura. Leu em voz alta o comentário de José do Patrocínio sobre o depoimento de um negro poliglota e de uma tal Condessa da Piedade que foi dado numa Comissão da Câmara para tratar do cumprimento da Lei do Ventre Livre.
Silveira se ligou no que Adalberto tanto criticava e logo percebeu que o depoente era Ubiratan.
- Por favor, senhor Adalberto, deixe-me ler esse depoimento.
O sogro passou-lhe o jornal e Silveira falou baixo para Ana Luiza:
- Esse negro poliglota é o Ubiratan.
Em voz alta ela respondeu:
- Ubiratan?
- Sim, o nosso escravo Ubiratan foi quem fez o depoimento...
O senhor Adalberto, com ares indignado, se intrometeu na conversa dos dois:
- Escravo de vocês? Que senhor é esse que permite que um escravo faça o que quer?
- Eu permito e incentivo, senhor Adalberto, porque eu sou um senhor que sou abolicionista.
Silveira fez questão de frisar que era abolicionista enfatizando bem a palavra ABOLICIONISTA para provocar o sogro porque já não aguentava mais com tantas impertinências e intromissões.
- O senhor é um abolicionista?
- Sim senhor, os escravos não são animais irracionais, senhor Adalberto, são humanos e devem ser libertados, Salve a abolição!
Todos, inclusive Maria Rosa, ficaram estupefatos diante daquela revelação, mas fez-se um silêncio total na sala.
( continua no próximo capítulo )
( continuação do capítulo anterior )
Um comboio composto de dez carroças, atreladas a dois burros cada uma, saiu do porto do Rio de Janeiro em direção à Petrópolis. Cada carroça estava carregada com dezoito bobinas de arame farpado, a última novidade inventada pelos americanos para cercar grandes áreas, capazes de evitar a evasão dos animais das fazendas.
Além desse primeiro comboio ainda estavam previstas as saídas de mais dois comboios, um a cada semana.
Atrás do comboio, seguiam outros vinte animais, atrelados dois a dois, para que fossem efetuadas as trocas quando os primeiros estivessem cansados. Capitaneando o comboio, na frente, seguia Moacir.
Moacir acreditava que aquele era o primeiro de uma série de pedidos de compra desse material. O carregamento seria para cercar uma fazenda, mas serviria de teste para outros pedidos que certamente viriam.
Quando estavam no meio da serra quebrou-se o varal de uma das carroças, o carro desequilibrou-se , adernou, e parte da carga foi ao chão. Como era uma das primeiras carroças todas as outras tiveram de parar e aproveitou-se para serem feitas as trocas dos animais. Felizmente Moacir tinha trazido pregos e martelos e conseguiu-se consertar o varal da carroça.
Quando passaram por uma fazenda dividida em cerca viva por pau d'arco, Moacir comentou para um dos carroceiros:
- Esse material vai baratear muito em relação às cercas vivas... Quanto tempo deve demorar para uma árvore dessas crescer?
- Talvez de cinco a sete anos... Essas que estão lá devem ter mais de trinta anos...
- Esse argumento para nós será um grande trunfo para as vendas...
Silveira estava visivelmente cansado depois da semana extenuante , mas quando terminou o almoço, resistiu ao sono e à vontade de se deitar, e foi dar atenção à sua mulher e aos filhos.
Manoel que pegara seixos arredondados na beira do regato, insistiu em brincar com o pai, rolando a pedra no assoalho de pinho de Riga do salão da fazenda e deliciava-se com o barulho provocado. Ana Luiza prevendo que a brincadeira pudesse arranhar o assoalho que era encerado, e coberto com tapetes preciosos, e por isso mesmo sempre objeto de cuidados de dona Augusta, chamou a atenção dos dois:
- Aqui não é lugar para brincar com pedrinhas, Manoel... Senhor Silveira, por favor, vá brincar com ele na varanda...
Os dois obedeceram sob olhares aliviados de dona Augusta, mas Silveira ponderou em pensamento, lá em casa não necessitamos de coibir essas brincadeiras das crianças...
Depois de brincar com Manoel e Antonio João, quando imaginou que finalmente teria a liberdade de ir descansar, e poder conversar a sós com Ana Luiza, chegou o senhor Adalberto que sentou-se ao seu lado e danou a falar sobre as manchetes dos jornais que tinha recebido da capital e que faziam proselitismo da abolição da escravatura. Leu em voz alta o comentário de José do Patrocínio sobre o depoimento de um negro poliglota e de uma tal Condessa da Piedade que foi dado numa Comissão da Câmara para tratar do cumprimento da Lei do Ventre Livre.
Silveira se ligou no que Adalberto tanto criticava e logo percebeu que o depoente era Ubiratan.
- Por favor, senhor Adalberto, deixe-me ler esse depoimento.
O sogro passou-lhe o jornal e Silveira falou baixo para Ana Luiza:
- Esse negro poliglota é o Ubiratan.
Em voz alta ela respondeu:
- Ubiratan?
- Sim, o nosso escravo Ubiratan foi quem fez o depoimento...
O senhor Adalberto, com ares indignado, se intrometeu na conversa dos dois:
- Escravo de vocês? Que senhor é esse que permite que um escravo faça o que quer?
- Eu permito e incentivo, senhor Adalberto, porque eu sou um senhor que sou abolicionista.
Silveira fez questão de frisar que era abolicionista enfatizando bem a palavra ABOLICIONISTA para provocar o sogro porque já não aguentava mais com tantas impertinências e intromissões.
- O senhor é um abolicionista?
- Sim senhor, os escravos não são animais irracionais, senhor Adalberto, são humanos e devem ser libertados, Salve a abolição!
Todos, inclusive Maria Rosa, ficaram estupefatos diante daquela revelação, mas fez-se um silêncio total na sala.
( continua no próximo capítulo )