Tentação ( parte LVII)
                                   ( continuação do capítulo anterior )
 
Jurandir e Sinhá Moça estavam na ilha, no meio do rio, agora sentados juntos numa pedra maior.
- Eu estava conversando com mamãe sobre a nossa situação e a dona Délia estava preocupada... Se a gente se casar, como vai ser?
- Ué, continuo trabalhando para o senhor Silveira e vou toda noite dormir na sua casa, será que o senhor Eugênio se opõe? Atravesso o rio a nado e vou caminhando até a senzala... É muito longe?
- É melhor você comprar um cavalo, porque daqui até à senzala, a pé, demora mais de uma hora. Imagina ter de caminhar no meio desse matagal em noite sem lua... Quando você chegar já estará na hora de voltar. E de noite quero meu marido ao meu lado...
- Se achegue a mim, Sinhá.
Ela se achegou a ele e ficaram de mãos dadas conversando.
-E nossos filhos?
- O que tem nossos filhos?
- Com quem vão ficar ?
- Com você, ora, você não vai ser a mãe?
- Não, estou perguntando com quem vão ficar, com o senhor Eugênio ou com o senhor Silveira?
- A mãe vai ficar com quem?
- Com o senhor Eugênio...
- Então os filhos também vão ficar com ele...
- Mas serão escravos também ?
- Não Sinhá, depois da Lei do Ventre Livre eles não mais serão escravos, vão morar contigo mas serão livres...
Agora que já temos permissão para namorar você não vai me dar um beijinho?
Ela beijou a mão de Jurandir e sorriu... Ele segurou-a nos braços, apertou-a contra si e beijou-lhe os lábios. A mão de Jurandir buscou os peitinhos de Sinhá, mas ela arisca se desvencilhou:
- Seu negrinho atrevido, vai sentar lá na sua pedra, ande!
 
A Fazenda Santa Isabel era uma propriedade antiga, foi fundada pelo pai do senhor Eugênio, um português dono de muitas quintas na região do Douro, em Portugal. Ele foi um dos pioneiros na plantação de cana de açúcar no Brasil, trouxe no navio em que veio, muitas mudas que conseguiu da região das Antilhas da espécie caiana e replantou em suas  terras. Antes mesmo do primeiro corte, ele já havia construído a moenda para fazer do caldo da cana a matéria prima do melaço, da rapadura e da cachaça. Ele fabricava uma cachaça de primeira, estudara o método da destilação, sabia que a cabeça da cachaça, que era assim denominado o produto que primeiro era destilado, tinha que ser desprezada porque continha substâncias tóxicas, e assim preparava com esmero o destilado, que chegou a ser exportado para Portugal e Inglaterra.
 
Para manter a fazenda produtiva, o senhor Eugênio teve de adquirir um batalhão de escravos, como ele dizia, num investimento milionário. Para que a ordem interna fosse mantida sob controle, ele contratou capatazes rigorosos e até um capitão do mato para perseguir e recuperar os escravos fujões.
Mas nem todo esse rigor para manter uma rígida disciplina, não foi capaz de coibir o uso da cachaça pelos escravos, e depois de algum tempo, haviam entre eles, muitos viciados, embriagados e brigões.
Nos finais de semana, quando tinham folgas no trabalho, as famílias e grupos de escravos se reuniam em torno das grandes mesas que ladeavam a senzala e comemoravam os aniversários e dias festivos com suas comidas típicas, mandioca cozida, angu, frango à cabidela e feijoada. Tudo isso e muita cachaça...
Foi numa dessa ocasiões em final da tarde que chegou Jurandir para se encontrar com Sinhá Moça...
 
Jurandir cumprimentou Sinhá Moça e sua família, segurou a sua mão e puxou-a para levá-la para um banco que acomodava duas pessoas, sob uma grande mangueira. Já sentados, de costas para o grupo, sentiu quando lhe tocaram no ombro. Quando ele se virou, um rapaz, visivelmente embriagado, lhe disse:
- Deixe a Sinhá Moça sossegada, negro filho de uma puta, porque senão vou te matar!
Jurandir com a calma de sempre, respondeu-lhe:
- Vá cuidar da sua vida, me deixe em paz, cura a sua bebedeira que depois a gente conversa...
Quando Jurandir se virou, sentiu o braço do rapaz socar o seu pescoço, ele virou-se e de frente para todos os que observavam a cena, sem se intrometerem, deu um salto de meio metro, levantou a perna direita num só golpe e acertou a cabeça do agressor, que ficou estendido no chão.
Deixou Sinhá Moça e todos os demais atônitos e saiu, olhando e encarando para os demais à sua frente, pegou o seu cavalo e foi embora.
                                                                                  ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 20/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4250115
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