Tentação ( parte LVI )
                                     ( continuação do capítulo anterior )
 
- Por favor, Don'Ana, não conte para o senhor Silveira o que aconteceu com relação ao senhor Adalberto, isso virou passado, não vai acrescentar nada de bom para ninguém. O senhor Silveira é um homem bom, não merece se aborrecer.
- Você tem razão, Maria Rosa, ninguém consegue modificar as pessoas se elas não quiserem se modificar... Meu pai é assim, preconceituoso, cisma com as pessoas, mas tem muitas qualidades boas também. É péssimo querermos julgar as pessoas pelas aparências... Quando fui a Ouro Preto, conheci as obras de um senhorzinho aleijado, com as mãos cobertas por um pano, negro e com péssima aparência, mas que foi um escultor sem igual, suas obras estão expostas nas principais igrejas da região e são muito admiradas... Pode ficar despreocupada, não direi nada ao senhor Silveira, afinal temos de manter nossos pequenos segredos para evitarmos conflitos, não é?
- Acredito ser melhor assim... Como a senhora conheceu o senhor Silveira, foi em algum baile?
Ana Luiza riu e lhe contou:
- Quando o senhor Silveira assumiu as terras da Solidão e construiu a Casa Grande, quis legalizar o que tinha feito e descobriu no cartório, que todas as terras da região, que foram divididas em sesmarias e doadas pelo Império, tinham sido lançadas no cartório em nome de um tal senhor Feliciano Maluf, embora a documentação de liberação das sesmarias, nas doações, estivessem em nomes dos donatários... 
Então, o senhor Silveira, que mantém ótimos relacionamentos na capital, saiu de fazenda em fazenda, apanhando procurações dos proprietários, para levar a um seu amigo, Conselheiro Miguel Calmon du Pin para solicitar a correção do ato. 
Nessa ocasião ele veio até aqui em casa e nos conhecemos. Na terceira vez que ele veio aqui, pediu permissão ao meu pai para me namorar... Foi assim.
- Mas a senhora quando o viu teve uma quedinha por ele, não?
  Ana Luiza sorriu e respondeu:
- O senhor Silveira é um homem bonito, encantava a qualquer moça solteira.
 
Silveira separou o garrote e a leitoa, mandou que Jurandir os levassem para a igreja, porque à noite, antes da festa de Sant'Anna, os moradores iriam arrematar os animais que estivessem em exposição e o arrecadado seria destinado às obras da igreja. 
Antes de seguir para a Fazenda das Pedras, ele e Machadão pesaram os sacos de milho, puseram para moer e depois ensacaram e pesaram o fubá. As perdas foram irrisórias, o aproveitamento quase total. O pouco farelo preso na peneira poderia ser usado como canjiquinha ou como ração para os pintinhos.
Com o atraso que teve, Silveira estava chegando  na Fazenda das Pedras depois do almoço.
 
 
- Agora, conte-me a sua estória, Maria Rosa, você nunca teve um namorado?
Ela deu uma gargalhada e disse:
- Quando era menina, a Condessa nos fazia rezar o terço toda noite antes de dormir, já estava escuro e de repente alguém segurou a minha mão e ficamos brincando dedos com dedos. Eu deveria ter onze anos e ele também, era um neto da Condessa. Foi a minha grande desilusão porque a mãe dele viu e separou ele de mim. Nunca mais ele pode chegar perto de mim, eu chorei muito.
A Condessa dava aulas para nós, todas as manhãs, mas o seu neto passou para outro horário. 
Às tardinhas nós íamos ter aulas de catecismo e quando estava um pouco mais crescidinha, o padre começou a me alisar, passava as mãos nas minhas pernas, nos meus peitos, e a brincar com seus dedos em mim.  Eu nunca reclamei porque eu também gostava e comecei a fazer carinhos nele. Ele me dizia o que fazer e eu fazia, até que numa certa vez, fizemos amor... Eu perdi a virgindade e ele também... 
- Que cretino!
- Agora mesmo a senhora pediu que eu não julgasse, não julga também... O que fizemos foi um ato de amor...
Então eu virei mulher do padre por muito tempo, até que trocaram ele de igreja...
Depois disso tive alguns namorados mas não me liguei a ninguém, essa é a minha estória, patroazinha.
 
Estavam fazendo essas confidências quando Silveira chegou cheio de fome e saudades...
                                                                         ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 19/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4248474
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