Tentação ( parte LIV )
                                ( continuação do capítulo anterior )
 
- Guimarães, se editarmos essa poesia do Ubiratan, será tudo o que os escravagistas vão querer...
- Como assim, Patrocínio?
- Ele diz aqui: "Por ser livre, ser liberto", onde se considera livre, e prejudica a nossa causa...
- Você não deixa de ter razão.
- Esse homem, Guimarães nunca se considerou um escravo, e é por isso que ele é um exemplo de superação, por esse fato conseguiu aprender as outras línguas, ele não é o nosso paradigma. Se ele tivesse a percepção da liberdade que tem Castro Alves, por exemplo, para a nossa causa seria excepcional... Mas a liberdade que ele prega, não é a mesma liberdade que pregamos, e enquanto queremos libertar os escravos do jugo de outros homens, ele quer que o homem se liberte das suas pragas interiores... Essa poesia, Guimarães, faria muito sucesso no púlpito de uma igreja...
- Continuo dizendo que você tem razão, Patrocínio.
- Com isso, não quero diminuir o mérito de Ubiratan, meu amigo, até pelo contrário, acredito que pouquíssimas pessoas teriam essa visão de vida estando vivendo nas condições de cativeiro. Ele faz versos qual José de Anchieta, e talvez o chão da sua senzala, tenha sido para ele, o que foi a areia da praia para Anchieta... seria muito bom, Guimarães, incentivar o Ubiratan a seguir o caminho das letras mas não vamos aproveitar seus escritos para a nossa causa.
 
Silveira durante o dia inteiro ficou ao lado de sua mulher, abraçou-se a ela enquanto conversavam e à noite foi muito mais carinhoso do que costumeiramente. Ana Luiza sentiu-se mimada como uma criança dengosa, apoiava sua cabeça no ombro do marido e lhe dizia da falta que sentia de casa.
- Eu também sinto muito a sua falta, minha mulher, a senhora traz muita paz para os meus dias. Diga-me uma coisa, quer que eu deixe a Maria Rosa e as crianças para passar uns dias com a senhora?
- O senhor sabe o que o meu pai pensa de escravos, pois não? De modo que acho melhor o senhor voltar com a Maria Rosa e deixar as crianças. Quando o senhor voltar, no fim de semana, então as crianças retornam. 
- Mas o que a Maria Rosa vai fazer em casa se as crianças não estiverem? Pelo bom senso , o melhor será ela ficar aqui, juntamente com os pequenos, afinal ela brinca com eles como se também fosse uma criança...
- Não, senhor Silveira, eu conheço o meu pai, com o senhor ele não reclama, mas vai descontar em mim... Ele não aceita conviver com pessoas de cor.
- Não julgo justo, só por um capricho do senhor Adalberto, as crianças se privarem da companhia da Maria Rosa, ela brinca com eles o tempo todo, dá banho, prepara comidas, faz os meninos dormir... Será que o senhor Adalberto vai conseguir substituí-la à altura?
- Por favor, fala baixo, senhor Silveira, daqui há pouco vai chamar a atenção dos outros. Já lhe pedi para voltar com a Maria Rosa e deixar as crianças que nós tomamos conta deles.
- A senhora está proibida pelo médico de fazer esforços, as crianças devem ir comigo ou a Maria Rosa ficar, qual a senhora prefere?
- Tudo bem, ela fica junto com as crianças, eu controlo o meu pai...
No dia seguinte Silveira voltou sozinho prometendo retornar no final de semana.
 
Era a primeira vez que Jurandir iria sozinho à fazenda do senhor Eugênio para se encontrar com Sinhá Moça, havia muita expectativa tanto por parte dele, como dela, porque seria a hora de apresentá-lo à família. Durante a semana Sinhá Moça ouviu piadinhas dos irmãos, da mãe e do pai, afinal só conheceram Jurandir naquele breve momento na sala da Casa Grande.
Jurandir era bem mais velho que Sinhá, os irmãos mexiam com ela, diziam que ela ganharia um novo pai, isso a incomodava, por outro lado Jurandir era diferente dos outros rapazes  da fazenda, era sério e respeitador, não era afeito às brincadeiras juvenis, o que  transmitia para Sinhá uma sensação de segurança.
Seu pai havia lhe chamado e dito que casamento não era brincadeira, era para toda a vida e que o namoro era a hora da escolha, se não gostasse dele, que fosse sincera, não ficasse dando esperanças infundadas ao rapaz...
Quando Jurandir chegou foi direto para a senzala. O senhor Eugênio tinha muitos escravos, uma centena, talvez, de modo que a circulação deles mais lembrava o movimento de uma cidade.
Não demorou e viu Sinhá Moça sentada junto a uma grande mesa e rodeada da sua família. Ele foi para lá com passos seguros. 
- Boa noite, Sinhá Moça...
- Boa noite, Jurandir... Este é o meu pai, Norberto, se lembra? Apontou para o lado e mostrou sua mãe Délia. Continuou a apresentação enquanto Jurandir estendia a mão e sorria para todos. 
- Margarida... Era a menina que tinha servido a limonada.
- Murilo, o mais velhos dos meus irmãos. Esse é o Márcio...aquele é o Maurício e a nossa menininha, a Marina...
- Ué, todos os nomes começam por M, menos o seu, constatou Jurandir...
- O meu nome é o mesmo da vovó Sinhá, Pergentina... Por isso acrescentaram Moça, no final, porque Moça começa por M...
- Entendi... Lá em casa, meus sobrinhos também todos começam por M : Marcos e Mário, os gêmeos que estão na guerra, e  Maria Rosa, a mais velha.
No final Jurandir já se sentia em casa e saiu para dar uma volta com a namorada, para conversarem a sós, mas sabendo que muitos olhos os observavam...  
                                                                            ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 17/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4244929
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