Tentação ( parte LIII )
( continuação do capítulo anterior )
Na Fazenda das Pedras Silveira ficou todo o tempo ao lado de Ana Luiza, perguntando
como ela estava se sentindo, falando-lhe da viagem que fez, tranquilizando-a em relação à situação da firma e do encontro que teve com o doutor Raimundo, um advogado ativista em prol da libertação dos escravos.
- Você acredita, senhor Silveira, que esse movimento possa tomar corpo e acabar com a escravidão ?
- Existe uma pressão externa muito grande para a abolição da escravatura, porque afinal o Brasil é o único país ocidental que ainda mantém a escravidão... Por outro lado, o governo também sofre uma forte pressão por parte dos grandes fazendeiros, donos de muitos escravos e que são contrários à abolição... Mas veja, Ana Luiza, as leis que foram feitas para que houvesse a abolição a médio e longo prazos, não estão sendo cumpridas... A Lei do ventre Livre, que já existe há bastante tempo, por exemplo, o que fez de fato? As crianças que nasceram depois da edição da lei e que já estão grandes, os ditos ingênuos, continuam junto aos seus pais, que são escravos, e fazem os pequenos serviços nas fazendas... Igualzinho como era antes. Será que , se houvesse a abolição hoje, haveria grandes modificações ? Talvez os escravos passassem a não ser escravos, por direito, mas de fato, continuariam trocando o trabalho pela comida... Ou a senhora acha que os nossos nobres fazendeiros vão pagar pelos trabalhos que eles farão? Eu vou além, minha querida esposa, se o imperador cair na esparrela dos abolicionistas, os fazendeiros vão migrar, com todo o seu dinheiro para esse movimento que já está aí, dos republicanos... O governo, minha senhora, como se diz no jogo do bilhar, está numa sinuca de bico...
O senhor Adalberto, que ouviu as últimas considerações, de Silveira, lhe disse:
- Eu mesmo já fui procurado por adeptos desse grupamento político, os republicanos...
Jerônimo relatou para Ubiratan a visita que recebera de Cabral, o detetive, que queria saber do paradeiro de uma jovem que não sabia o nome, falou-lhe ainda que Maria Rosa tinha sido incriminada de ter incitado o cão contra o fazendeiro.
Ubiratan ficou assustado, principalmente por não saber exatamente do que ela estava sendo incriminada, poderia ser algo facilmente refutável mas também poderia ser uma acusação complicada. Foi por causa disso que resolveu procurar o doutor Raimundo, para que ambos pudessem ir à delegacia procurar o detetive Cabral.
Depois de Ubiratan relatar com os mínimos detalhamentos a estória para Raimundo, ele achou melhor ir sozinho à delegacia para levantar os detalhes da acusação.
- Senhor Cabral, eu me chamo doutor Raimundo e sou advogado da Importadora Vitória e soube que o senhor andou procurando por uma jovem com uma pretensa acusação de um incitamento de um cão contra alguém... Gostaria de saber mais detalhes, qual é a acusação, quem acusa e o que pretende o autor contra a pretensa ré... Se possível, gostaria de copiar o laudo acusatório para saber do que se trata, de quem se trata, data, horário, etc.
- Pois não, doutor, a peça com a acusação está à disposição do senhor, mas gostaria que o senhor primeiro me desse o nome da pessoa que está sendo acusada.
- Nome e detalhes da pessoa, também não sei...
- Como não sabe, doutor?
- A firma não tem nenhum registro de empregadas, só tem nome de homens como empregados, por isso acho muito estranho o que está sendo alegado... Por favor, deixe-me conhecer a peça acusatória, agora fiquei deveras intrigado, senhor detetive, porque realmente numa determinada manhã, na porta de entrada do estabelecimento, haviam marcas de sangue, o gerente imaginou ser de algum gambá que o cão pegara, e não deu maior importância para o fato. Mas também pode ter sido sangue de algum intruso que tentou arrombar o estabelecimento... Acho melhor invertermos o procedimento e pesquisar a vida pregressa desse suposto reclamante, não seria ele um ladrão que teria sido pego pelo cachorro? Ou quem sabe fosse um bêbado que tivesse invadido as instalações do prédio?
Quando o doutor Raimundo retornou tinha em mãos a cópia da queixa crime que não citava ninguém pessoalmente e onde até mesmo o endereço estava errado.
( continua no próximo capítulo )