Tentação ( parte LI )
 
                                   ( continuação do capítulo anterior )
 
Guimarães Passos recebeu a folha das mãos de Ubiratan e perguntou:
- Você tem cópia da poesia ?
- Tenho, respondeu Ubiratan.
- Então vou levar comigo essa página, pois não?
- Tudo bem, faça bom uso.
Guimarães olhou novamente o texto, agora com mais cuidado e detalhamento. Dizia assim:
Soneto da liberdade.
"Porque sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais."
Paulo  (I coríntios, 9.19)
 
Por ser livre, ser liberto,
Meu mundo não é deserto,
Porque sou servo da vida,
Sem dela ser um escravo.
 
A vida, eu a conduzo
E dela eu faço uso,
Enquanto sirvo a ela.
Assim a vida é bela!
 
Enquanto vivo liberto,
Liberto as pragas de mim,
E limpo o meu caminho...
 
No caminho, ao meu lado,
Quero ser acompanhado,
Só por quem queira carinho.
 
Guimarães se despediu, saindo com a página aberta em sua mão.
Foi imaginando como um escravo poderia ter feito um soneto que é uma ode à liberdade...
Ali, quem escrevia não era um escravo, era um homem que já havia se livrado dos grilhões que nos acorrentam, que existem mesmo naqueles que se imaginam livres, mas que se prendem aos vícios, aos erros, e que não conduzem a vida, são conduzidos por ela...
 
Maria Rosa ficou exultante ao saber que iria junto com Silveira e as crianças para a Fazenda das Pedras.
Ela pensou em Ana Luiza longe dos filhos, e imaginou como ela deveria estar ansiosa para revê-los. 
Maria Rosa gostava de Ana Luiza, elogiava-a como boa mãe, sempre zelosa e com carinhos para com os pequenos, apreciava como Ana Luiza falava com doçura, mesmo nos momentos mais tensos, uma amabilidade cativante. Um dia lhe disse:
- Don'Ana, gostaria de aprender  a lidar com as situações como a senhora faz.
- Como eu faço, Maria Rosa?
 - A senhora às vezes está dentro de um furacão mas parece não se afetar por ele... Vê os problemas com distanciamento, não se deixa contaminar, e sempre o que diz tem a lucidez de uma iluminada...
- Menos, Maria Rosa, tento somente manter uma vela acesa...
Silveira escolheu um cavalo dócil , mas forte, para conduzir a charrete,  com a estrada mal conservada teriam que manter a velocidade reduzida para que as crianças ficassem em segurança.
No banco iam sentados ele, Maria Rosa e Manoel. Sentadinho no quadrado onde apoiavam os pés, estava Antonio João, sobre uma almofada. Manoel preferiu sentar na parte lateral, ao lado de Maria Rosa, e ela junto à Silveira.
Manoel gostava dessa posição para ajudar ao pai na hora de abrir porteiras, o que fazia com muita dificuldade, porque ainda era pequeno e as porteiras pesadas. Mas para ele, abrir uma porteira era uma vitória.
As pernas de Maria rosa roçavam nas de Silveira com o balançar da charrete. Em certa hora ela colocou a mão sobre a coxa de Silveira, que preocupado em ser flagrado por Manoel, retirou-a e olhou para ela com olhar de reprovação.
Quando passaram por um flamboyant florido, o mesmo em que ficaram sob ele, Maria Rosa apontou e lhe disse cifradamente:
- Essa árvore me trás boas recordações. 
- Manoel perguntou:
- Que recordações, Maria Rosa ?
- De quando era menina, do seu tamanho, quando brincava com essas flores vermelhas...
                                                                      ( continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 14/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4239915
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