Tentação  ( parte XLVI )
 
( continuação do capítulo anterior )
 
Silveira mandou preparar a charrete para que ele pudesse levar Ana Luiza ao doutor Darci.
Antes, Ana Luiza tinha recondado  a Maria Rosa os cuidados que ela deveria ter com Manoel e Antonio João, e falou-lhe da possibilidade dela ter de ficar na casa dos pais para não ter de estender muito a viagem com ida e volta no mesmo dia.
Como a estrada estava muito esburacada, com sulcos de carros de bois e ressaltos, Silveira na maior parte da viagem foi obrigado a controlar o animal para que a charrete se deslocasse vagarosamente e assim  evitar solavancos que prejudicassem Ana Luiza. 
Quando chegaram ao consultório médico ainda tiveram que esperar durante muito tempo para serem atendidos. 
O médico, ao medir a pressão de Ana Luiza, se afastou e trouxe um comprimido para que ela tomasse, e depois, chamou Silveira à parte, e lhe falou da sua preocupação em relação à saúde de Ana Luiza, já que sua pressão estava descontrolada e naquele momento muito alta, e como ela estava grávida, poderia ser um complicador, capaz de desenvolver inclusive uma eclampsia.  Recomendou que ela não fizesse nenhum esforço e se possível nem voltasse para casa de charrete, melhor seria que ficasse na casa do pai. E assim foi feito.
 
Como Silveira estava demorando a voltar e já haviam se passado três dias, na Fazenda da Solidão criou-se uma expectativa em relação à saúde de Ana Luiza, que desde o dia do desmaio parecia estar abalada. Pulcena era quem mais se preocupava. Nessa temporada em que estiveram juntas, ela desenvolveu muita admiração por Ana Luiza, pela sua candura e ingenuidade, preparando junto com ela os doces, pães e bolos, tricotando ou fazendo rendas e bordados. No inverno, Ana Luiza fez, para dar de  presentes, blusas  de lã que ela tricotou,  para ela, Jurandir e Ubirajara. Aquelas pequenas demonstrações de consideração, fez com que Ana Luiza conquistasse a admiração de todos. O zelo e o carinho pelos filhos, completavam o quadro e fazia dela a patroa completa. Se não tinha o carisma da condessa, por outro lado, tratava aos escravos como se fossem parte integrante da família. 
Contava casos da sua infância para Pulcena, perguntava a ela como era na África, os costumes e o modo de pensar do povo. Só não admitia ouvir estórias dos feitiços e feiticeiros, dizia ser obra do Satanás.
 
 
Sinhá Moça apareceu chorosa e Jurandir abraçou-a para consolá-la.
- Sai pra lá, negrinho atrevido, eu sei resolver sozinha os meus problemas, não preciso que ninguém me abrace... Afaste-se, seu aproveitador.
- Eu só quis ajudar...
- Eu sei como é, viu que eu estava toda chorosa e já vem me agarrando...
Aquela era a Sinhá Moça que Jurandir conheceu desde o início, instigante, provocadora. E foi por isso, por essa qualidade que Jurandir sempre foi tocado. 
Eles se precisavam porque eram diferentes, foram os contrários que se atraíram, era o outro polo do ímã que ele encontrara nela  e que provocava essa força de atração...
Ele sorriu e sentou-se na sua pedra. 
- Conte-me o que houve Sinhá Moça.
- É que acabou de morrer o meu gatinho, disse com a voz embargada.
- Vou lhe dar um outro gatinho!
- Não quero outro gatinho...
- Um cachorrinho? Disse Jurandir sorrindo.
- Não...
- Um cachorrão? E olhou para si próprio, rindo.
Ela veio e se abraçou nele e quando ele tentou lhe dar um beijinho na face, ela o empurrou.
- Vá para a sua pedra, aproveitador...
 
elzio
Enviado por elzio em 09/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4231280
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