Imagem:espacoturismo.com
Sensual, cativante e criativa a leoa (que não tive)
chama o amante à tarde, à noite e à luz do dia
E dessa chama de amor que arde se vive
eternamente pregado em uma cruz
Robert contempla o Palácio dos Leões de São Luis de Ribamar, uma fortaleza destruída, para que dos escombros nascesse um castelo. Distante, muito distante geograficamente da cena de um casamento fracassado, seus olhos espiam a rua que passa na janela do lotação... Será que deveria ter abraçado o sacerdócio sugerido pelo padre Davi? Se o fizesse, não teria passado pelo vexame do impedimento de seu próprio matrimônio. Não! Não queria ser padre sem vocação. Seria um homem frustrado sem a costela que lhe foi retirada pelo Criador. A fêmea escolhe o parceiro pela capacidade genética de lhe dar uma cria forte e saudável. Que atrativo tinha ele para conquistar uma mulher: baixinho, nariz amassado, sobrancelhas cerradas... Não era detentor de beleza física nem de recursos financeiros suficientes para atrair as fêmeas. Era apenas humorista com um emprego público e arrastava os mesmo genes de Talita, a mesma carne e os mesmos ossos de seus ossos, ou não?
Há meses sem notícias do Rio de Janeiro, sabia apenas que Morgana também se mudara para São Luís do Maranhão, mas, vê-la por ali, só por força de milagre do acaso. Levantou-se para deixar o lotação. Teria que descer na próxima parada. Tinha encontro marcado com a solidão de quatro paredes do quarto de luxuoso hotel na capital maranhense.
Precisava criar logo outro endereço eletrônico. Perdera toda lista de contato daquele que fora bloqueado pelo provedor. O email que criara com Talita para tratar do projeto literário fora invadido por hackers que enviaram mensagens pornográficas para todos os contatos da lista. Alguns deles não atendiam sequer as ligações telefônicas originadas de seu número. Não era exatamente o caso de Talita. A questão com ela era outra, um sonho desfeito...
Na portaria, o funcionário entregou-lhe um pacote.
— Encomenda para o senhor.
O Sedex procedia do Rio de Janeiro.
Robert tremeu. Abriu. Viu muitos textos encadernados e na primeira página, um recado manuscrito: “Explicit. O livro está concluído. Veja o que pode ser acrescido ou retirado...Talita.” Ele releu o poema, de muito antes conhecido, desta vez já com o título:
VOO ABS 815
A
parede
do mundo
é azulada,
até onde a vista alcança... O poeta vê além das
nuvens brancas uma aquarela: nuvens amarelas... pássaro
solitário refaz o ensaio de uma valsa. Tudo passa velozmente
no imaginário... Se Fernão olha a gaivota, não vê o sol
de relembranças
que se põe
detrás
das
suas
asas
O poeta vê além das nuvens brancas uma aquarela. “Isto não é uma gaivota, nem uma jibóia engolindo um elefante.É o voo de uma aeronave”.
— O senhor disse o quê? Perguntou o porteiro, por entender que Robert lhe dirigia a palavra.
— Nada não. Só pensei alto.
Fechou o guarda-chuva. Pôs o pacote debaixo do braço e entrou no hotel sentindo-se acompanhado por ela. Talita estava ali inteira, naqueles escritos. Ele, Robert, achava que agora sabia tudo porque o poema tinha um título: VOO ABS 815. Ledo engano. O que era permitido dizer, ela soltava aos poucos, abrindo a torneira e fechando-a imediatamente para que uma formiga que passava não se afogasse no dilúvio. Como saber tudo? O mundo do Romance viaja no túnel do tempo. É só imaginar e pode-se viver o passado e o futuro quase que simultaneamente. Viver hoje o sol de ontem, e amanhã, o sol que ainda não veio como se o coração fosse feito apenas para guardar recordações... Ela já não sabia separar o passado do presente nem a ficção da realidade e nada sobre o futuro lhe fora permitido revelar