NOITES DE AMOR

"Há tanta suavidade em nada dizer e tudo se entender” (Fernando Pessoa)

Ainda hoje guarda a lição duma forma de amar diferente.

Ele era um homem dedicado mas também era alguém que de vez em quando precisava do seu espaço, da sua solidão, de resolver sozinho as suas dúvidas e as suas angústias para poder estar em paz com os que amava. Se por acaso se sentisse “acorrentado” fugia á procura de liberdade como se ela fosse o oxigénio que precisava para viver. Não conseguia habituar-se a situações desconfortáveis. Por isso de vez em quando desaparecia, “mudava de ares”. Mas tê-lo de volta a ela bastava-lhe, tê-lo de volta na sua cama era a melhor sensação do mundo, apesar do preço alto que pagava com esses desaparecimentos, sofria-os no corpo e no coração.

Ela era uma mulher simples mas muito perspicaz. Sabia distinguir os sinais de tristeza e de desgosto nos outros e dizia que o olhar podia gritar mais do que a voz. Se calhar por isso mesmo, tinha aprendido a ficar calada cada vez que ele se ía embora durante vários dias, e depois voltava com a naturalidade de quem sempre tinha estado perto.

As amigas mais chegadas ficavam confusas e por muito que se esforçassem, não conseguiam perceber como é que ela podia perder tanto tempo em esperas! Então explicava-lhes que o tempo não se perde, mas apenas se gasta melhor ou pior, e que a solidão é um luxo sublime para os que sabem esperar. Acreditava que efectivamente existiam relações com estruturas diferentes, nas quais as pessoas se sentem realmente ligadas e são sobretudo honestas uma com a outra. Dizia que cada ser humano tem as suas feridas, cicatrizes e atribulações interiores que mais tarde ou mais cedo emergem duma forma desagradável, por isso para uma relação ser completa não basta só o amor, são igualmente necessárias, empatia, compaixão aceitação.

Ele não era o tipo de homem que as mulheres sonhavam! Não decididamente que não era! Na cabeça dele havia muitas coisas complicadas que uma mulher simples como ela nunca iria entender. Mas sempre que ele desaparecia, ela sentia-se muito sozinha e sentia a falta das longas conversas que ambos tinham sentados no jardim nas noites mais quentes ou então junto á lareira nas noites mais frias. Sentia saudades de ficar só a olhá-lo quieto e adormecido ao seu lado. Sentia a falta do cheiro e da voz dele.

Contudo a vida tinha-lhe ensinado que nenhum homem é perfeito! E tinha também aprendido que ninguém pode pensar em encontrar a perfeição no amor porque o amor não é perfeito. Ninguém é feliz para sempre, porque a felicidade é feita apenas de momentos, como aquele em que ela o viu pela primeira vez. Foi uma amiga comum que os apresentou, e nessa mesma noite foi para casa com ele, não sabe bem explicar porquê mas o certo é que ele entrou-lhe logo no sangue.

Antes de o conhecer, levava uma vidinha simples e isso bastava-lhe, eram suficientes os problemas que de vez em quando lhe surgiam e que ela ía tentando resolver. Mas depois de conhecê-lo a sua vida passou a ter um novo significado, um novo sentido.

Ele possuía uma grande inteligência e tinha uma cultura geral que ela não conseguia acompanhar. Mas curiosamente, passou a querer estar mais informada e passou a gostar de ler livros, esforçava-se também por ler os jornais e estar atenta ás notícias.Dizia que nunca tinha lido tanto em toda a sua vida. Através da leitura fez novas descobertas e conheceu um mundo inóspito, de incertezas, dúvidas e inconformismo. Isso obrigou-a a reflectir e a ver que nem tudo era tão simples e colorido como ela pintava. Afinal nem tudo era um mar de rosas, o mundo também é egoísmo, cinismo, intransigência, ódio, miséria, crime, fome, tortura, morte...

Antes de o conhecer costumava lamentar aos amigos a sua pouca sorte, e a necessidade que tinha de ser amada. Falava-lhes dos heróicos esforços que fazia para que o amor surgisse na sua vida. Mas agora que o amor tinha-lhe entrado pela sua vida adentro, empenhava todos os seus esforços para conseguir manter essa relação. Preocupa-se com os desejos e com as exigências dele e fazia tudo para agradá-lo. Assumiu o papel de “tomar conta” dele, e dizia que ele era maravilhoso e que oferecia-lhe tudo aquilo que ela sempre quis ter.

A química misteriosa que existia entre eles era absoluta e necessária, pelo menos para ela. Gostava dele a troco de nada! Apenas queria ser feliz e por isso mesmo agarrou-se aquela relação sem compromissos definidos. E quanto mais ele lhe demonstrava que a relação dos dois não ultrapassava os bons momentos e ía durar apenas o que tinha que durar, mais ela se empenhava na conquista do seu mais íntimo desejo: sentir-se absolutamente necessária.

Ele aparecia-lhe em casa sempre á noite, sempre perto meia-noite, na mudança de um dia para o outro, naquela hora em que os mais supersticiosos dizem que as almas perdidas descem á terra para se apoderem dos distraídos e dos solitários. Os seus passos ritmados e firmes rompiam o silêncio da noite, atravessava a rua , e depois dobrava a esquina. Subia a escadaria até ao terceiro andar e uma sensação deliciosa acelerava-lhe o coração. Aqueles lances de escadas íngremes e repetitivos, aliviava-lhe a culpa de chegar lá ofegante, mas no entanto prevenido para toda e qualquer emoção que uma noite de amor com ela lhe proporcionava. Subia degrau a degrau com a mesma alegria com que era recebido. Cada lance de escada era um passo mais perto do desejo, independentemente dos olhares curiosos dos vizinhos que por vezes se cruzavam com ele. E quando tocava a campainha, ela corria e sentia-se fora de si. Se calhar é por isso que eles nem falavam, e ela empurrava-o contra a parede, e tapava-lhe a boca com a sua, mesmo antes de fechar a porta.

A lua entrava pelo vidro da janela e multiplicava-se no quarto em feixes de luz, inundando-lhe a cama imensa com uma tal claridade que até parecia meio-dia! E quando ele a acariciava é como se ela renascesse! O amor entre eles era um jogo de sintonia. Tocava-lhe com a ponta dos dedos e desenhava-lhe suavemente pelo corpo todo pinceladas leves que a arrepiavam levando-a ao paraíso. Para que essa magia ficasse guardada segredava-lhe ao ouvido palavras de amor até ela se perder de tanto desejo.

No coração dela existia sempre um desassossego, nunca sabia se no dia seguinte ele estaria ao seu lado ou não. Não fazia planos, porque sabia que o futuro era imprevisível. Mas também isso não era importante. Os sonhos tal como chegam também se somem e podem andar muito tempo perdidos pelas estradas dos nossos pensamentos.

Todas as noites mesmo sem saber se ele vem ou não, ainda assim ela continua a esperá-lo sempre perto da meia-noite, adivinhando no tamanho da lua o seu regresso. E sempre que ele chega, eles amam-se muito, durante toda a noite, e ela esquece os dias tristes de solidão, e entrega-se ao amor irrepetível que marca cada um daqueles encontros.

Tery

Tery
Enviado por Tery em 04/04/2013
Reeditado em 05/04/2013
Código do texto: T4223138
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