Tentação  ( parte XL )
 
                                           ( continuação do capítulo anterior)
 
Moacir chegou ao estabelecimento e levou imediatamente a carroça para a parte dos fundos do prédio e descarregou a carga.
 Maria Rosa estava sozinha pois Silveira e Ubiratan haviam saído e estavam demorando a voltar, ela não sabia o paradeiro dos dois. 
Maria Rosa ajudou Moacir a guardar os materiais nos lugares e depois Moacir foi até ao regato para lavar o animal, ele tratava aos animais com toda a atenção  que eles mereciam.
Só depois desse demorado ritual e de dar atenção para as brincadeiras brutas de Furacão foi que Moacir entrou e foi conversar com Maria Rosa.
- Já estava até enciumada, meu tio, o senhor dá mais atenção aos animais do que a mim...
- Vem cá minha menina ciumenta... Me dê um abraço, você estava com saudade desse seu tio, não é verdade?
Acho, minha sobrinha, que você vai ter de voltar para a fazenda porque corre o boato que  a dona Ana está esperando um outro bebê e está precisando da sua ajuda. Sua mãe mandou dizer que você deve voltar, que a patroazinha não pode ficar tomando conta dos dois meninos... Sabe que o Manoel perguntou por você?
- O senhor Silveira também acha que eu devo voltar, mas por outro motivo.
- Qual motivo? Ele está a fim de você ?
- Não, nada disso, esse homem só tem olhos para a mulher dele, disfarçou Maria Rosa.
Enquanto você viajou, se lembra do homem que tentou me agarrar? Ele esteve aqui de madrugada e Furacão pegou e estraçalhou a perna dele. 
- Bem feito para o desgraçado, devia ter comido os culhões do filho da puta...
Então Maria Rosa lhe contou os detalhes da estória.
- Então, minha sobrinha, para sua segurança, não pense duas vezes, volte para a fazenda com o senhor Silveira.
 
Silveira e Ubiratan encontraram-se com Raimundo na sede da Gazeta da Tarde e ficaram conversando enquanto esperavam Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. 
 Silveira achou melhor dizer abertamente a Raimundo a situação porque passava, relatando as tomadas de posições que teve de fazer para evitar  o arresto de seus bens e como estava se aproveitando das qualidades culturais dos seus escravos, tendo feito com eles um acordo de alforria, lhe relatando inclusive a troca de identidade de Ubiratan e Moacir, para Maurice e Marcel Segall, como parte da estratégia de vendas e de negócios, tudo isso para evitar um constrangimento futuro e desmascaramento, porque o poder público possuía documentação de que ele era proprietário de escravos. Silveira ainda estava vulnerável por ter adquirido documentação falsa em nome de Maurice Segall para que Ubiratan viajasse aos Estados Unidos, o que naturalmente ele não mencionou.
Raimundo riu e achou muito criativa a forma de Silveira enfrentar o desafio, demonstrando a potencialidade a ser aproveitada na mão de obra negra, que estava se perdendo no Brasil.
 
De repente, entra na sala um negro atarracado, de barbas bem aparadas, vestido em um terno escuro de listras com um tom mais claro, que retira da cabeça a cartola e cumprimenta aos presentes:
-Boa noite, em primeiro lugar peço desculpas porque o José não pode vir ao nosso encontro por motivos particulares. Sou o Joaquim e tenho imenso prazer em conhecê-los.
 - Eu sou o Silveira e esse é o  Maurice.
Raimundo fez um preâmbulo dizendo como se conheceram durante a viagem e que Silveira era fazendeiro em Minas Gerais e importador de implementos e equipamentos agrícolas. 
Joaquim Nabuco contou-lhes como foi o seu encontro com o Papa Leão XIII e como ele se posicionou favoravelmente à causa abolicionista, mostrando que a cada momento mais personalidades públicas, nobres, artistas, poetas e políticos aderiram ao movimento, afirmando que embora com alguma resistência, não demoraria e teríamos a abolição. Mesmo porque o Brasil estava demorando a tomar essa decisão,  era o último país escravagista.
- Silveira elogiou a análise muito lúcida de Joaquim, mas fez questão de fazer algumas observações econômicas, afirmando que outros países que haviam abolido a escravatura, não tinham o mesmo perfil econômico do Brasil, que era um país de extensão continental e que só poderia, dentro desse  parâmetro ser comparado aos Estados Unidos, e que lá para abolirem a escravidão, tiveram que fazer uma guerra em que morreram milhares de pessoas... Que por isso, ele achava que o melhor caminho seria o da prudência. 
- Essa é uma declaração de guerra, senhor fazendeiro ?
- Não, uma reafirmação da paz, senhor jornalista, respondeu Silveira entre risos...
- Mas lhe peço, senhor Silveira, para ponderar meus argumentos, vi no senhor uma pessoa que poderia pesar significativamente na nossa causa. Gostaria que o senhor participasse dos nossos debates como quem pontua as dificuldades que teremos de contornar. Sua ponderação, comparando a nossa situação ao caso americano, foi muito inteligente e interessante...
-- Aceito participar dos debates, senhor Joaquim, para que possamos evitar os embates...
(continua no próximo capítulo )
elzio
Enviado por elzio em 03/04/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4221048
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