Tentação ( parte XXXIX )
( continuação do capítulo anterior )
O navio atrasou e Silveira e Ubiratan tiveram que esperar ao largo da Baía da Guanabara para que raiasse o dia e a embarcação atracasse.
Despediam-se do doutor Raimundo quando Silveira perguntou:
- Para onde o senhor vai, doutor Raimundo?
- Para a Glória
- Então é caminho, vamos pegar uma carruagem para nos levar...
Assim os três foram conversando e quando Silveira e Ubiratan já se preparavam para saltar em frente ao estabelecimento, o doutor Raimundo lhes disse:
- Terça feira às vinte horas espero os dois na Gazeta da tarde para lancharmos juntos.
- Está combinado.
A loja ainda estava fechada, era cedo e Maria Rosa ainda dormia. Silveira procurou a chave na algibeira e quando já ia abrir o portão, surgiu Furacão latindo alto e afastando os dois. Em seguida apareceu Maria Rosa que acalmou o cão e levou-o para os fundos do prédio.
- Ele é novo mas é bravo, e só obedece a mim, disse ela.
Conversaram durante muito tempo, contaram as novidades, eles sobre os contratos e ela sobre o aparecimento do Cabo Marcos, falou-lhes sobre Mário que também era telegrafista, quando Silveira perguntou:
- Tem notícias da fazenda?
- Nenhuma, mas Moacir foi fazer vendas e instalações lá por aquelas bandas e vai trazer notícias. Ela lhes contou, empolgada, sobre as vendas que fez, sobre quanto tinha acumulado na caixa, a remarcação dos preços e a preocupação que estava com o estoque baixo.
- Não precisamos ficar preocupados, no próximo Paquete, daqui a vinte e um dias, teremos a nossa mercadoria. Vamos receber cinco arados com lâminas reversíveis que vai ser uma novidade no mercado, foices, enxadas, enxadões, arreios, peitorais, esporas, estribos e os carneiros hidráulicos . Acabaram-se os nossos problemas, agora quem vai ter muito trabalho vai ser o senhor Maurice, que terá de renegociar prazos e valores com os belgas.
- Já vou começar a pensar no assunto, tenho que me inteirar do contrato, ler suas cláusulas, levantar nossa dívida e propor um escalonamento de acordo com o que vamos poder pagar.
- Escalonamento..., ponderou Maria Rosa.
- É... Priorizar de acordo com as nossas possibilidades de pagamento, respondeu Ubiratan.
- É, meu tio, está importante e falando difícil, debochou Maria Rosa.
- Eu quero deixar aqui tudo em ordem para poder ver minha família na fazenda. Estou cheio de saudades da minha mulher e das crianças.
Maria Rosa sentiu uma pontada de ciúme porque até então Silveira não tinha olhado para ela de forma especial, ela se sentia como uma qualquer, será que ele teria conhecido alguém nessa viagem?
Ela tinha lido que um grupo de coristas havia viajado para os Estados Unidos, e ficou a imaginar coisas...
Moacir fez a instalação do último carneiro hidráulico na Fazenda das Pedras, Ana Luiza tinha falado com seu pai anteriormente e enviado uma carta para ele, entregue por Moacir, para que ele não tivesse de enfrentar as resistências do senhor Adalberto.
Assim que a água começou a correr na bica o senhor Adalberto e a senhora Augusta comemoraram com muitos risos, demonstrando alegria.
Moacir saiu da Fazenda das Pedras com a carroça quase vazia, já não se ouvia aquele farfalhar das peças se atritando, e isso o deixou muito mais tranquilo, parecia um viajante qualquer e não chamava a atenção das pessoas, principalmente dos malfeitores, que viam nos vendedores, presas fáceis, porque quase sempre estavam recheados de dinheiro.
Mas como prevenir sempre é bom, Moacir tinha ao seu lado, enquanto guiava a carroça, uma foice afiada para qualquer emergência.
Mas não precisou nada disso e ele já estava chegando à firma sem que houvesse nenhum incidente.
Maria Rosa aproveitou um momento em que ficou a sós com Silveira e lhe disse da sua saudade e embora tivesse jurado não dizer nada a ninguém sobre o incidente, lhe contou:
- Vivi uns momentos difíceis aqui... Estava sozinha e um fazendeiro fazendo-se interessado em comprar um arado, começou a me elogiar e tentou me segurar. Eu lhe mostrei um cacete e ele recuou. Foi quando falei com o Moacir e ele trouxe o Furacão.
Ele me disse que o cachorro era novinho mas acredito que tenha mais idade do que imaginamos porque enfrentou esse mesmo homem, que tentou entrar aqui de madrugada.
Quando ouvi a barulheira, corri, abri a porta e o tal homem estava desmaiado e com a perna dilacerada, perdendo muito sangue e o cão estava com o focinho todo vermelho. Fiz os primeiros socorros nele, chamei um vizinho, colocamos o homem numa carroça e o levamos para a Santa Casa.
- E a polícia ficou sabendo?
- Não, colocamos ele na porta do hospital, que estava fechado e viemos embora.
- Você está correndo risco... Vou ter que levá-la para a fazenda, se esse homem, que não deve valer o prato que come, der parte de você, isso pode complicar. Assim que o Moacir chegar, nós vamos partir...
( continua no próximo capítulo )