Tentação ( parte XXXVII )
 
                                            ( continuação do capítulo anterior )
 
Em cada dobra da estrada, a carroça farfalhava com o barulho metálico dos equipamentos que Moacir conduzia. Quando ele chegou ao pátio da Fazenda da Solidão, a cachorrada cercou a carroça, misturando o farfalhar com os latidos, de modo que quando ele puxou as rédeas do animal para que ele parasse, todo mundo já estava à sua volta. As crianças foram as primeiras a chegar, pois já estavam no pátio.
- Meu Deus, como esses meninos cresceram, será que são os mesmos?  Ubirajara se acercou dele, olhou de alto a baixo para aquele homem de terno, colete e gravata descendo da carroça e abraçou-o demoradamente.
- Se você não fosse meu irmão, eu não o teria reconhecido... De terno, gravata e barba crescida, você tá mesmo parecido com gente, home... 
- Gente fina, meu irmão, eu agora sou um vendedor e instalador, tenho uma profissão... Mas estou admirado mesmo são com as crianças, como cresceram...
Aproximou-se delas e alisou os cabelos louros de Manoel, puxou para perto de si Antonio João e riu para ele, que retribuiu da mesma forma.
- A gente fica cativo mesmo meu irmão, é do olhar meigo dessas crianças que não sabem diferenciar um senhor de um escravo...
- Vem pra perto de mim, Manoel, o Moacir gosta muito de vocês, viu ?
- Eu também gosto muito de você, Moacir, porque você não trouxe a Maria Rosa?
- Ela ainda virá, não vai demorar, ela também está com muitas saudades de vocês...
 
Tão logo Moacir acabou de falar com Ubirajara e Pulcena, ele foi à carroça, apanhou todo o dinheiro que tinha na caixa de ferramentas, o caderno de controle e verificou que tinham quatrocentas e setenta coroas separadas, subiu as escadas e foi prestar contas com dona Ana Luiza.
- Olá, Moacir, que transformação! E foi para melhor, viu ?
- O senhor Silveira nos instruiu para usarmos essas roupas, disse meio encabulado. Vim fazendo as vendas pelo caminho, fiz as instalações e arrecadei o dinheiro, no caderno estão todos os lançamentos do que arrecadei, do que vendi, do dinheiro que usei em refeições e estadia. Como o senhor Silveira não está, ele foi com o Ubiratan para os Estados Unidos...
Ana Luiza interrompeu-o:
O que... O senhor Silveira foi para os Estados Unidos?
- É, mas já deve estar voltando, ele e o Ubiratan foram a uma feira em Nova Iorque.
- Se não estivesse ouvindo de sua boca, Moacir, eu não ia acreditar...
- Estão aqui, o dinheiro e o controle, dona Ana Luiza, e lhe entregou o pacote e o caderno.
- Obrigado, Moacir, eu vou guardar, depois eu verifico isso.
- Não senhora, eu preciso lhe explicar, tem dinheiro aí de venda, outra parte de serviços e outra parte ainda de sinal pelos pedidos...  Eu vou ter de explicar direitinho para a senhora compreender. A senhora tira o que for preciso para as despesas, a gente faz o lançamento e quando eu tiver de voltar para o Rio a senhora me dá a diferença para eu dar entrada no caixa.
- Tudo bem, Moacir, agora eu vou guardar essas coisas e depois que você tiver descansado da viagem eu mando chamá-lo para que você me explique. 
- Mas e Maria Rosa ?
Então Moacir lhe detalhou tudo, desde como encontraram a loja, a sujeira dos cômodos e a estória do sócio querendo chantagear ao senhor Silveira, e a posição firme dele ameaçando o antigo sócio de dar parte dele na delegacia de polícia por desvios de materiais...
Ana Luiza ouviu a tudo estupefata e voltou a perguntar:
- Mas e Maria Rosa, Moacir?
- Agora ela está à frente da loja, todas as vendas diretas estão com ela...
Ana Luiza ficou lívida, logo agora que estava contando com o retorno de Maria Rosa, recebe essa notícia que era imprescindível ao  esquema de Silveira... Mas disfarçou bem e disse ao Moacir que depois eles voltariam a conversar.
 
Maria Rosa estava ansiosa para saber notícias do rapaz, ao mesmo tempo em que se preocupava de, ao perguntar por ele, ser identificada e responsabilizada pelo acontecimento.  Assim, resolveu dar tempo ao tempo para que a noticia viesse a ela quando as coisas se resolvessem. 
Dois dias depois Jerônimo apareceu na loja e ela lhe falou da sua preocupação. 
- É melhor mesmo não procurar saber de nada, ele deve estar sendo bem tratado, mas estava muito machucado... O que você deve pensar é o seguinte, se você não tivesse providenciado tudo, ele teria morrido, sua consciência está em paz...
- Jerônimo, seus patrões não aparecem na chácara?
- Eles estão muito velhos... Ele é um português e ela é brasileira, e moram numa casa pequena no centro da cidade, sua filha se casou e está em Portugal, na propriedade deles numa cidade chamada Setúbal, e ninguém aparece aqui na casa. Eles me deixaram aqui para que a casa não fosse invadida.
- Deve ser muito ruim morar assim sozinho, não é ?
- A gente se acostuma a tudo, eu não posso reclamar da sorte, nessa hora em que tem tanta gente morrendo com essa epidemia de varíola, quem está sadio deve agradecer a a Deus... Se eu pegasse essa doença, sozinho aqui em casa, morreria e ninguém iria saber.
- É verdade, somos pessoas de sorte... 
                                          ( continua no próximo capítulo )
  
 
elzio
Enviado por elzio em 31/03/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4216206
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