Um encontro de paixão
À medida que avançava, mais apertava seus passos; sentia um crescendo de emoção e expectativa a cada metro que conquistava em sua caminhada. Parecia-lhe que o purgatório de seus sentimentos distanciava-se atrás de si, ao passo que já penetrava no início do que seria a aproximação da glória máxima, o paraíso, a maior ventura que jamais imaginara. Supôs que logo alcançaria tal estágio, e de uma certa forma vivenciava já, mentalmente, as sensações de tamanha dita; porém, tinha consciência de que era preciso um passo de cada vez, metro por metro, e com isso a certeza de que dali a poucos minutos se tornaria eternamente feliz.
Ele estava se dirigindo a um encontro.
Mas não era um simples encontro; era o acontecimento de sua existência! Pois desde que a vira, tivera a convicção, simplesmente, de que havia encontrado a mulher da sua vida. Respirava essa paixão, pensava nela todos os dias, a todo momento em que sua mente não era exigida para outras ocupações.
Paixão... será? De repente começou a se indagar se a palavra seria essa mesma, ou seria... amor? Pois parecia-lhe que o que sentia era tão grande, profundo, divino, ou sabe-se lá o quê de tão transcendental, que a simples convenção de tomar uma palavra e emprestar-lhe um significado não lhe despertava muito interesse.
O fato é que, naquele momento, viu que estava se aproximando do local estipulado. Dobrou uma esquina, e passou a visualizar a rua estreita ladeada de pequenas lojas que terminava na praça onde marcara o encontro. Ao passar por um pequeno e charmoso café, com estilo colonial muito aconchegante, não deixou de imaginar-se ali com ela numa gostosa tarde, observando da janela um maravilhoso pôr-do-sol que naquela pequena cidade era particularmente onírico.
E por falar em sonho, decidiu, antes de contemplá-la frente a frente, em carne e osso, visualizá-la em todas as formas na sua mente. Começou lembrando do rosto angelical que o chocara na primeira vez em que a vira: olhos grandes, verdes, levemente amendoados; nariz afilado, delicado e que formava um belo e harmonioso desenho de perfil; boca na medida certa – para ele - ou seja, nem muito carnuda, nem fina por demais; queixo pouco proeminente, mas que formava, junto com as perfeitas linhas do rosto, os cabelos castanhos e a pele branca, etereamente branca, um conjunto divino e estonteante de beleza clássica.
Quase tropeçou numa pequena pedra, o que o fez retornar à realidade, e de repente notou que estava cada vez mais próximo de seu objetivo; decidiu apertar o passo, pois já não aguentava mais tanta ansiedade e tanta emoção. Apurou o olhar intentando enxergar mais longe, e viu com o coração alegre a praça tão desejada descortinar-se a alguns metros de distância. Sabia que, depois de algumas dezenas de passos, alcançaria o céu de sua existência, pelo qual lutara arduamente durante a última semana; sim, pois só conhecia a moça há apenas sete dias, e no entanto (que clichê!) , parecia que a conhecia há muito tempo! Riu-se dessa frase tão comumente usada, ele que se vangloriava de nunca usar expressões prontas.
Agora a praça assomava com uma perspectiva maior ante seus olhos, e percebeu então que havia lá muitas pessoas, o que o confundiu um pouco de início: teria um certo trabalho para procurá-la no meio da multidão. Não era problema, já que vontade e energia ele tinha de sobra, e a tarefa não iria lhe tomar mais que alguns minutos – nada, diante da recompensa a receber no final. Porém foi se aproximando, e o local do encontro como que enchia mais de pessoas. Gente de todo tipo, de todas as idades, de várias raças, tamanhos e feições; menos... E pela primeira vez naquele dia uma ponta de inquietação surgiu efêmera em sua mente; seria um começo de desespero? De repente, algo com o que sequer tinha sonhado – nem em seus devaneios de vigília – passou a... Mas, não...
A questão era que simplesmente não poderia...! Ela não... ela não estava lá?!
Balançou a cabeça rapidamente para tentar despertar desse baque e olhou o relógio; viu que ainda faltavam cinco minutos para a hora combinada e sentiu um certo alívio, que todavia não o livrou completamente de sua apreensão. Deu mais uma verificada ao redor a fim de ter certeza de que não fora levado por puro desespero, semicerrando as pálpebras intentando obter maior alcance de visão. Súbito, uma voz ecoou em sua mente:
- Que horas são, por favor?
Então virou-se lentamente, notando que realmente uma voz feminina lhe fizera tal pergunta. Com a respiração cada vez mais ofegante, mediu a moça de cima a baixo; mas sua maior surpresa não foi constatar que ali estava uma desconhecida, e sim, ao olhar quase através dela, num segundo plano, a sua amada abraçando e beijando ardentemente um rapaz que ele não fazia a menor ideia de quem fosse.
Tudo se tornou escuro, a praça perdeu sua vida. Abaixou a cabeça para olhar seu relógio de pulso com a visão ainda turva, e viu que era exatamente o horário combinado. Levantou o olhar; ela estava agora à sua frente, e com um sonoro e estridente "oi!!!", abraçou-o com força. Ele não resistiu e, indo além, buscou sua boca, beijando-a com todo o ardor quanto permitia sua gana de materializar a incomensurável paixão contida há muito em seu peito. Ao mesmo tempo, muito lentamente, retirava e armava com todo o cuidado do mundo um pequeno canivete que oportunamente trazia no bolso da calça...