Primeiro Capitulo de Manhattan x Maratham

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Capítulo 1
Em Nova York, naquele dezembro de 1991, não se viam pássaros, mas apenas pombas urbanas. Embora fossem símbolos da paz, não tinham graça nenhuma, pois no inverno, além do branco das neves, a cidade ficava sem a companhia das doces aves, que se assemelhavam às estrelas no céu infinito.

No apartamento da família Gordon, quando o interfone tocou, o pequeno Thomas, de quase treze anos de idade, atendeu imediatamente.
- Acabou de chegar uma correspondência com o carimbo de urgente para seus pais; com voz grave, Pablo, o zelador do prédio avisou.
- Obrigado. Vou pegar agora mesmo; - o menino se alegrou, e enquanto recolocava o interfone, disse aos pais que iria até a portaria, para buscar uma correspondência importante.
Impaciente pela demora do elevador, Thomas resolveu descer as escadas, pulando os degraus de dois em dois.
- Cadê a correspondência, Pablo? - agitado, o menino perguntou, assim que se aproximou da guarita.
- Está aqui; sorrindo, o zelador fez cumprir as ordens do condomínio. - Mas antes você tem que assinar o livro.
- Estou com pressa, Pablo! - insistindo, o garoto exclamou. - Depois eu assino.- O zelador escondeu o envelope atrás do próprio corpo e, cerrando o sorriso, se opôs.
- Negativo, caro Thomas! Só entrego o envelope, depois de você assinar o livro. -Sem disfarçar o aborrecimento, Thomas franziu as sobrancelhas e concordou.
- Está bem. Passa o livro, seu chato! -Assim que pegou o envelope, Thomas novamente ignorou os elevadores, e quando saiu da vista de Pablo, ficou tentado a abrir a carta, mas se conteve, pois sabia que seus pais não aprovariam tal atitude. - Por que este envelope tem um carimbo de urgente? - Thomas abriu a porta da sala, e foi logo perguntando à mãe.
Indo ao encontro do filho, Cora pegou o envelope de suas mãos e, ao ler o remetente, um frio percorreu sua espinha.

- ONG International Conservation! - ela exclamou em voz baixa, e em seguida chamou pelo marido, enquanto abria o envelope.
Quando Will se aproximou, Cora o olhou apreensiva e disse.
- É da ONG das onças pintadas.
O marido suspirou e, curioso, quis saber.
-O que dizem?
-Calma, vou ler -Cora se sentou no sofá, e Thomas correu para o seu lado.
-Leia logo, mãe! -ele a apressou.
Levantando uma das mãos, a mãe o censurou, antes de dar a notícia.
-Prezados Gordon, o projeto para estudar o grande felino da América do Sul foi aprovado. Conseguimos, junto ao governo brasileiro, o financiamento e a licença para a pesquisa. Se preparem para viajar dentro de três meses. É imprescindível que aprendam o português, no que o espanhol de vocês ajudará muito. Aconselhamos a não levarem seu filho, pois a região onde ficarão é desprovida de escolas na língua inglesa.
Atenciosamente, Mister Lincoln Luch.

-O cara está maluco! -Thomas gritou inconformado. -Eu vou para o Brasil, e está decidido!
-Calma, meu filho, vamos conversar -interveio o pai, em tom conciliador. -Nós vamos ficar três anos no Brasil, e você não vai perder este tempo de escola.
Tentando confortar o filho, Cora argumentou. -Você ficará na Flórida, com seus avós que tanto ama, e durante as férias irá para o Brasil. Além disso, seu pai e eu viremos visitá-lo sempre que possível.
-Negativo! -Thomas fez um bico, e cruzando os braços sobre o peito revidou, ameaçando os pais. - Vocês sabem muito bem que não preciso de professores, e que sou o melhor aluno do colégio. Se não puder ir, serei o pior.
Willian e Cora se entreolharam, enquanto o persistente Thomas continuou.
-Vocês sabem da minha facilidade em aprender línguas, e garanto que em dois ou três meses vou falar português como um nativo, assim como o espanhol, que aprendi com os filhos de Pablo.
Abraçando o filho, Cora tentou convencê-lo. -Querido, acho que as escolas da região para onde vamos não são boas, e não queremos prejudicá-lo.
-Não quero saber de nada, e já disse que vou de qualquer jeito -o menino retrucou, antes de repetir a ameaça. -O Brasil, ou serei o pior aluno do colégio! -Emburrado, sem esperar retorno dos pais, Thomas saiu apressadamente da sala e foi para seu quarto.
-Querida... -segurando-a pelo braço, Willian impediu que a esposa fosse atrás do filho. -Amanhã ele estará mais calmo e conversaremos melhor.

No dia seguinte, Thomas acordou cedo para ir à escola, e enquanto sua mãe preparava o café da manhã, ele se sentou à mesa.
-Bom dia, filho! -Cora o cumprimentou, e sem perder tempo acrescentou. -Precisamos conversar sobre nossa ida para o Brasil.
-Eu já disse tudo o que tinha para dizer, e não tem mais conversa! -o menino exclamou mal-humorado.
Enquanto servia os ovos mexidos, Cora tentou aconselhar o filho. -Querido, saiba que nem sempre o que queremos é possível. Podemos negociar a sua ida ao Brasil durante as férias, ou as nossas vindas para cá. O que acha?
Olhando para o relógio na parede, Thomas bufou com força e, sem terminar seu café, levantou-se.
-Tem coisas que são inegociáveis -depois de pegar a mochila, pela primeira vez o menino saiu sem beijar a mãe.

Naquele dia, ao final da tarde, para surpresa de Cora, a supervisora do colégio onde Thomas estudava a chamou ao telefone.
-Senhora Cora? Aqui é Susan. Gostaria de conversar sobre o Thomas...
-Aconteceu alguma coisa com meu filho? - assustada, Cora a interrompeu bruscamente.
-Não, nada demais. Aliás, se não fosse Thomas Gordon, esperaríamos os fatos se repetirem. Posso marcar uma reunião para amanhã de manhã?
-Sim, quanto mais cedo melhor, mas gostaria que me adiantasse o assunto - preocupada, Cora insistiu.
A senhorita Susan sorriu e a tranquilizou. -Prefiro falar pessoalmente. Não se preocupe, pois Thomas é um aluno excepcional -evitando estender a conversa, ela finalizou. -Às oito horas está bom para a senhora?
-Sim, está -Cora concordou, antes de desligar o telefone.
Mais tarde, durante o jantar, sem comentar sobre o telefonema, Cora tentou investigar o filho.
-Tudo bem na escola, Thomas?
-Sim, mãe. Tudo bem.
-Nenhuma anormalidade por lá?
-Não, nenhuma - com ar irônico, o menino respondeu. -Apenas a mudança de normalidade.
-Thomas... -seu pai o repreendeu imediatamente.
-O que você quer dizer com isso?
-Nada de mais, mas vocês logo saberão -sem se deixar abalar, Thomas bebeu um gole do suco e pediu licença para sair da mesa.
-O que está acontecendo aqui? -indignado com a postura do filho, Willian interrogou a esposa.
Cora serviu mais salada ao marido, e fez sinal para ele não dizer nada.
Algumas poucas horas depois, já no quarto, enquanto o casal se preparava para dormir, Cora comentou com Willian sobre o telefonema da supervisora. Pensativo, ele propôs.
-Querida, vá à reunião, e depois conversaremos sobre o assunto.
No dia seguinte, na hora agendada, aflita para saber do que se tratava, Cora estava no gabinete de Susan.
-Bom dia, senhora Cora! -com um largo sorriso no rosto, a supervisora a recepcionou. -Aceita água, ou um café?
-Sim, água, por favor. Enquanto Susan a servia, Cora se antecipou.
-Se não se importa, gostaria de ir direto ao assunto que me trouxe aqui. Nunca tivemos problemas com Thomas, e isto é novidade para mim.
-Calma, senhora - Susan falou com tom sereno na voz. -Seu filho é um excelente aluno, e talvez o melhor que já tenha passado por aqui. O único problema é que ele aprende muito mais rápido do que os colegas, e se mostra bastante impaciente na sala de aula.
-Ele sempre foi assim -Cora assentiu, e depois de beber um gole de água, completou. -Meu filho é inteligente e, além disso, seu pai o ensinou a técnica de fazer certo pela primeira vez.
Em seguida, Cora olhou pensativa para a supervisora, e a questionou diretamente.
-Qual é o problema pontual com Thomas?
Susan se ajeitou na cadeira, antes de prosseguir. Inicialmente pareceu pouco à vontade, mas sem fazer rodeios, logo perguntou. -Vocês estão com algum problema em casa?
Levantando as sobrancelhas, Cora demonstrou certa apreensão. Como seu silêncio se estendeu mais do que o esperado, Susan resolveu explicar.
-Acontece que, repentinamente, Thomas mudou seu comportamento. Hoje ele sentou no fundo da sala, com os menos comportados, recebeu nota D em uma prova objetiva de ciências, o que é estranho, já que costuma ganhar nota A+.
-Então é isso? -inesperadamente, Cora se tranquilizou. -Ele nos disse mesmo que mudaria sua normalidade! - Diante do olhar confuso de Susan, Cora suspirou e concluiu.
-Aquele pestinha!
-Você pode me explicar melhor? -a supervisora pediu, enquanto colocava água em seu copo.
-Provavelmente ele não disse o motivo, mas meu marido e eu recebemos um convite para trabalhar em uma ONG no Brasil, durante três anos, e como Thomas não pode ir por causa dos estudos, ele se revoltou e nos ameaçou, afirmando que se tornaria o pior aluno do colégio.
Susan franziu o canto dos lábios e sorriu em seguida. Remexendo na pasta escolar de Thomas, depois de olhar alguns documentos, ela se voltou para Cora e perguntou.
-Você tem curso de pedagogia, não?
-Sim. Lecionei por um bom tempo, até me casar.
Susan se levantou, e depois de dar alguns passos pela sala, deu uma boa notícia.
-Para alguns casos especiais, temos o ensino à distância, que poderá ser facilmente aplicado nos estudos de seu filho. É muito comum para filhos de embaixadores e funcionários da embaixada, como também para os filhos de missionários.
Cora sorriu e, esperançosa, se animou. -Acho que agora vou aceitar o café. - Enquanto preparava a bebida, Susan explicava o processo de ensino à distância, mais adequado para Thomas.
-Temos todo o material preparado, mas, para a eficácia do aprendizado, já que Thomas é autodidata nato, não poderá ler antecipadamente sobre as aulas.
As duas riram com a afirmação de Susan e, antes de ir embora, Cora assegurou disciplina.
-Eu a acompanho até a porta -Susan se ofereceu, e curiosa perguntou. -Quando vocês viajam?
-Daqui a três meses. Antes temos de aperfeiçoar o português, tomar as vacinas, fechar nossas contas com o banco, entre outros compromissos.
-Então ainda teremos algum tempo para as orientações necessárias. Fique tranquila, pois você está apta a ministrar as aulas para Thomas.
Assim que saiu da escola, Cora telefonou para William e contou a novidade.
-Mal posso esperar para ver a cara daquele garoto! -Willian retrucou satisfeito.
Ao chegar em casa, Cora colocou a chave na porta e, ao abri-la, lá estava Thomas, ansioso à sua espera.
-Seu pestinha, você conseguiu! -simulando estar muito brava com ele, Cora fechou a cara, mas, sem se conter, rapidamente abriu um enorme sorriso. -Nós vamos para o Brasil! -ela gritou, abraçando o filho. Depois do longo abraço, aficionado por futebol, Thomas começou a socar o ar, à moda Pelé, pois era a imagem mais forte que tinha do Brasil. Então deu uma cambalhota no sofá, e quando se levantou agarrou a mãe novamente. Rodopiando com ela pela sala, beijou a muito, querendo compensar os beijos evitados no dia anterior.
-Garanto que, no máximo em três meses, aprendo português! -o menino exclamou feliz. -Também não terei nenhum problema com o ensino à distância. Pode ficar sossegada.
Surpresa com o que acabava de ouvir, Cora respirou profundamente e interrogou o filho.
-Como você sabe do ensino à distância?
Thomas fez uma careta e olhou de soslaio para Cora. Em seguida deu de ombros, e demonstrando profunda alegria, confessou.
-Ah, mãe! Eu já previa que isso fosse acontecer. Fiz minhas pesquisas...
Com as mãos na cintura, Cora apertou os lábios, antes de desvendar o mistério.
-Você armou todo esse circo, seu maluco?
Disfarçando a própria arte, Thomas sorriu. Ele realmente era um menino inteligente, focado, estrategista e, certamente, determinado.

Três meses mais tarde, os pássaros voltaram à New York City, enfeitando as árvores e encantando o Central Park com seus trinados. William e Cora marcaram um jantar de despedida para familiares e amigos e, obviamente, convidaram Susan, a supervisora do colégio. O grande evento aconteceu no restaurante Favela,
especializado em comida brasileira, pois queriam que os convidados tivessem noção do que viveriam nos próximos anos. Orientados pelo maitre, o casal decidiu pedir picanha, feijão tropeiro com seus acompanhamentos, e para beber escolheram a famosa caipirinha brasileira, feita de limão, cachaça e açúcar. Durante o jantar, ouviram música brasileira ao vivo, da melhor qualidade, entre elas Garota de Ipanema, Aquarela do Brasil, e Canção da América. Naquela noite, as pessoas que estavam no restaurante, a maioria formada por brasileiros, se encantaram com o grupo, ao descobrir o motivo da comemoração. Por conta da casa, foi oferecida uma rodada de drinks, e o cantor fez uma homenagem à família que partiria em breve. Do mesmo modo, os convidados de Willian e Cora ficaram entusiasmados com a simpatia brasileira e, talvez, sob o efeito da caipirinha, os pais de Cora pareceram menos preocupados com aquela aventura toda. Para finalizar o jantar, todos saborearam um delicioso cafezinho, antes de se despedirem.
O voo estava marcado para o dia seguinte bem cedo e, ansioso, Thomas rolou na cama a noite toda, sem conseguir fechar os olhos nem por um segundo.
-Daqui a pouco será o grande dia! -abraçado ao travesseiro,
feliz da vida, ele comemorou.


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